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Alberto Pasqualini e o trabalhismo brasileiro no século 21

Em artigo anterior mencionei que o trabalhismo seria a única alternativa viável de esquerda dentro da esfera capitalista.

Procurando contribuir na elaboração de um conceito de trabalhismo e inspirado nas ideias de Pasqualini, definimos trabalhismo como uma ideologia política formulada e/ou executada, de forma deliberada, e implementada por um partido político, tendo como princípio básico a coexistência de solidariedade com as liberdades individuais.

Na esfera econômica, acredita na prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, por meio da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social.

Embora seja uma ideologia política, o trabalhismo reconhece o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada.

O trabalhismo está umbilicalmente associado com uma ideologia econômica que defenda a intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e tornar o capitalismo mais humano e equilibrado, por meio da ênfase nas políticas públicas, principalmente na área da educação (educação como a única forma de emancipar o povo e consolidar uma ideologia do desenvolvimento nacional) e do assistencialismo, com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores buscando uma conciliação de classes dentro de um ambiente cada vez mais participativo e democrático.

No âmbito externo, defende uma política externa independente e que preserve e fortaleça a autonomia e soberania nacional.

O trabalhismo, enquanto ideologia política, necessita estar acompanhado de uma ideologia econômica. Em determinado contexto histórico, o trabalhismo esteve acompanhado do nacional-desenvolvimentismo durante os governos Vargas e do nacional-reformismo do governo Goulart.

A partir da entrada de Dilma Rousseff e Guido Mantega, no núcleo do poder, o termo social-desenvolvimentismo começa a ser usado para designar o processo de desenvolvimento conciliatório de: crescimento econômico, estabilidade monetária e inclusão social dos governos Lula II e Dilma I.

O trabalhismo (enquanto ideologia) está fortemente ameaçado pela onda conservadora que nesse primeiro momento centra forças contra Lula, Dilma e o PT. Mas, caso o PDT e Ciro Gomes atinjam um protagonismo nacional, as baterias serão centradas contra eles.

Pois, assim como o golpe de 1964 foi contra o trabalhismo, a tentativa de derrubar a presidenta Dilma é para interromper um projeto: o trabalhismo nos marcos do social-desenvolvimentismo.

Parafraseando o célebre artigo de Carlos Lacerda contra o governo nacionalista de Getúlio Vargas e que é o lema da oposição: “A Sra. Dilma Rousseff, presidenta, não deve ser candidata à Presidência. Candidata, não deve ser eleita. Eleita não deve tomar posse. Empossada, devemos recorrer a um impeachment (ou um golpe) para impedi-la de governar”.

Por isso, a possibilidade da candidatura de Lula em 2018 ou uma possível aliança com Ciro Gomes e o PDT (tendo o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad do PT como vice) torna viável uma continuidade do projeto trabalhista.  Nesse sentido, partidos como PDT e PT fazem parte do mesmo campo político, e são os principais adversários do liberalismo econômico.

A própria presidenta Dilma na campanha em 2010 mencionou que ela corporificava esse projeto: “nós podemos dizer hoje que somos a continuidade desse processo” (referindo-se à história do trabalhismo) e cita que o objetivo do seu governo é o mesmo do governo do ex-presidente João Goulart: “promover progresso com Justiça, desenvolvimento com distribuição de renda”.

Em outro discurso na campanha de 2014, faz questão de citar conquistas sociais e econômicas promovidas pelos governos dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart – como a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce e do BNDES e, também, a permanente luta de Brizola e Darcy Ribeiro pela educação pública de qualidade.

Dilma salienta a importância e o legado de Getúlio Vargas. […] “Sem ele não teríamos o Estado nacional e a sua estrutura que temos hoje”. […] Sobre João Goulart, classificou-o como “um democrata que construía consensos” e que colocou no centro dos debates pautas que até hoje são exigidas pela população.

Para definir Darcy Ribeiro, Dilma afirmou que foi “o homem capaz de pensar a Universidade de Brasília, como ela é hoje, e de também projetar os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública)”. Por fim, emocionada, referiu-se a Leonel Brizola como o político da legalidade e que “deu início à política de expansão da educação”.

Dilma faz parte de uma corrente (não-oficial) trabalhista dentro do PT. Entretanto, pela proximidade dela com Lula e pela influência deste dentro do partido, fez com que a imagem do período trabalhista de Vargas e Goulart tenha sido revista. Não mais como populismo, mas sim como a alternativa viável de esquerda para o Brasil.

Lira Neto afirma que o PT “encarna” a herança do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas: “Lula, queiramos ou não, é, junto com Getúlio, a personalidade mais popular de toda história brasileira”. Segundo o autor da mais recente biografia do ex-presidente gaúcho, o governo do PT tem ideias semelhantes às de Getúlio ao defender um Estado interventor.

Em recente palestra, Ciro Gomes, do PDT, defendeu a democracia e a soberania brasileira como soluções para a crise.  “A política e a reforma política são as únicas formas de mudar o cenário econômico que vivemos. O descontrole da economia e a fragilidade política que vivemos têm fortalecido a crise e muito. Nós temos que defender o mandato da presidente Dilma Rousseff, porque, mesmo que a presidente faça um mau mandato, é fundamental defender a democracia, pois no presidencialismo o mandato é nosso, do povo. Caso haja o impeachment, teremos pelo menos 20 anos de democracia comprometidos. Existem caminhos para resolver o problema brasileiro, e ele começa pela baixa dos juros, pela não interferência no valor do dólar pelo governo, além de investir na criação de tecnologia nacional. E temos que fugir desse discurso moralista. A gente não pode confundir a política com novela moralista. A gente tem que se concentrar em emancipar o Brasil”.

Importante esclarecer o conceito de trabalhismo adotado aqui é diferente do conceito de trabalhismo tal como desenvolvido na Inglaterra, pois o trabalhismo brasileiro passou por transformações, adaptando-se à realidade e adquirindo características.

Um dos seus principais ideólogos, o sociólogo e político Alberto Pasqualini, tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã). Definia-se o trabalhismo como expressão equivalente a de capitalismo solidarista.

Parafraseando Moniz Bandeira, o trabalhismo foi a manifestação nacional, brasileira, do que na Europa foi a social-democracia após a guerra de 1914/1918, ou seja, uma corrente política que tratou de empreender reformas sociais dentro da moldura do sistema capitalista.

Em seu livro “Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo Brasileiro”, Pasqualini sustenta que o princípio do trabalhismo é o de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a uma atividade socialmente útil.

Para ele, portanto, nem todo ganho legal é um ganho justo, e traz aqui uma crítica à especulação financeira como quando diz que “todo ganho deve estar sempre em função do valor social do trabalho de cada um, onde há ganhos sem trabalho há parasitismo e usura social”.

Esse é uma dos princípios norteadores do trabalhismo. Para a doutrina trabalhista, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados pelo Estado, e também executados pela iniciativa privada, mas sempre tendo em vista o desenvolvimento da economia e o bem-estar coletivo.

As ideias de Alberto Pasqualini centravam-se numa plataforma reformista que tinha como objetivo transformar o “capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro”.

O sistema educacional era, para ele, o caminho mais eficaz para realizar as reformas sociais, políticas e econômicas, superando, assim, o subdesenvolvimento do país. Sua concepção de Estado era a de que ele era fruto da evolução da sociedade.

Ao fazer uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais especializado e complexo ao qual cabe um papel de direção e organização. Portanto, as reformas necessárias ocorreriam por meio da mudança de mentalidade.

Para isso, era necessária uma reforma na consciência social, que diminuiria as práticas egoístas e as substituiria por ações solidárias, tais como cooperação, ordem, harmonia, lealdade, evitando, portanto, o confronto entre os interesses individuais (egoístas) com os interesses coletivos (morais). Pasqualini destacou principalmente a função moral do Estado: executar na prática o sistema solidário com suas especificidades.

Pasqualini acreditava que a educação tinha uma função emancipadora e via que a ação governamental deveria ser eminentemente pedagógica. A condução política, portanto, far-se-ia pelo esclarecimento da sociedade, via mudança de mentalidade.

Inclusive é possível perceber influências de Keynes no pensamento de Pasqualini: “sabemos que o regime capitalista (…) está sujeito a crises periódicas, com alternância de fases de prosperidade e fases de depressão. São inerentes ao sistema da livre iniciativa que é de regulação natural e não obedece a uma planificação da economia como nos sistemas socialistas. (…). O Fundo Social poderia ser utilizado para corrigir as flutuações das conjunturas econômicas, estimulando estes ou aqueles empreendimentos, este ou aquele ramo da produção, estas ou aquelas inversões. Poderia, igualmente, nos períodos de depressão econômica, favorecer a realização de obras públicas ou outros empreendimentos, de modo a evitar sempre o desemprego, reativando, por essa forma, o processo econômico temporariamente estagnado”.

Crédito da foto: Acervo CPDOC FGV via História Ilustrada (Dia do Trabalhador no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, em 1944).

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