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Ajuste fiscal sem legitimidade democrática

Os neoliberais ironizam os economistas que “acreditam que a geração de superávits primários é um expediente para enriquecer rentistas e não para impedir a escalada da dívida pública”. Ora, isso é um sofisma, pois, por definição, a geração do superávit primário visa, essencialmente, a pagar a elevação dos encargos financeiros da dívida pública, provocada pela alta desenfreada do juro básico.

Essa política é pautada às vésperas de reuniões do COPOM-BCB por gente de O Mercado através de púlpitos oferecidos pela “grande” imprensa econômica brasileira. E os neoliberais ainda condenam “a ameaça à suposta independência do Banco Central”. Eles têm sim consciência de que essa instituição beneficia, sistematicamente, a renda do capital financeiro em desfavor da renda do trabalho.

Depois da tentativa de obter a meta de superávit primário para pagar os juros, sobra pouco do OGU para O Governo investir — e O Mercado não investe por conta própria! Sobra então para as empresas estatais, especialmente a Petrobras, puxar o investimento. Quando elas são paralisadas, vem a depressão!

Esse diagnóstico sobre o problema-chave da atual Grande Depressão brasileira não isenta de responsabilidade a mudança do regime fiscal após a explosão da bolha de commodities em setembro de 2011. Seu maior símbolo foi a generalização da desoneração fiscal de folha de pagamentos sem a contrapartida em investimentos, exigindo apenas a manutenção dos empregos. Isso aumentou o custo unitário do trabalho em relação à produtividade e a relação salário / câmbio.

Os industriais alegam que houve “esmagamento da margem de lucro operacional” e ainda tiveram perda de rentabilidade não-operacional e mesmo de capital financeiro, com a marcação-a-mercado após a retomada da alta de juros em abril de 2013. A fácil sabedoria ex-post prova ter sido equivocada a avaliação da equipe econômica de Guido Mantega.

O diagnóstico foi que a relação dívida líquida / PIB estava em patamar muito confortável — abaixo de 35% — e com tendência de queda. Face ao futuro afrouxamento monetário, então, poderia se afrouxar a política fiscal de meta em superávit primário. Na época, não se avaliou, adequadamente, o efeito sobre as expectativas dos especuladores da elevação da relação dívida bruta / PIB, devido à capitalização dos bancos públicos, para suas atuações anticíclicas. Este era o indicador pelo qual o FMI comparava os estados das economias no mundo.

A elevação do grau de fragilidade financeira, após a retomada do crescimento da taxa de juros básica (Selic), afetou muito as (falsas) expectativas dos investidores internacionais. Eles passaram a especular se o governo brasileiro se manterá, de fato, solvível. Querem duvidar de sua capacidade de pagamento do que deve. É falso o pressuposto de que ele não seja solvável e solvente já que possui ativos muito superiores ao passivo, além do poder de ser um emissor monetário em última instância. A dívida pública oferece risco soberano. Porém, quando “o soberano” é um usurpador, cresce a desconfiança…

Desde o século XIX, quando ocorreu o debate entre “papelistas” (defensores da necessidade de liquidez dos produtores de café) e “metalistas” (defensores do poder aquisitivo internacional dos importadores através do padrão-ouro), tem acontecido tentativas de “amarrar cachorro com linguiça” nesta terra de Tropicalização Antropofágica Miscigenada. É espécie de “servidão humana voluntária” os seres humanos criarem uma “amarra constitucional” para sua submissão!

Depois de poucas tentativas-e-erro com o padrão-ouro (1906-1914 e 1926-1929), monetaristas propuseram n vezes transformar a programação monetária — oferta de moeda crescer apenas para validar o aumento do produto real, mas não a elevação nominal — em cláusula-pétrea da Constituição brasileira. Surgem também, periodicamente, propostas de dar independência ao Banco Central do Brasil “para evitar o financiamento monetário de O Governo”.

Agora, o estapafúrdio é colocar um teto para manutenção real dos gastos públicos, ignorando o ciclo econômico. Se a taxa de inflação cair, mesmo se a economia estiver em uma grande depressão provocada por “armadilha de liquidez”, quando, devido às expectativas pessimistas, o setor privado não gasta, o gasto público não poderá substituir o gasto privado para a retomada do crescimento! Em outras palavras, a receita do Dr. Keynes ficará proibida! A Teoria Geral entrará no Index Librorum Prohibitorum de acordo com a Constituição brasileira!

Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP/FGV) refaz a trajetória das despesas da União, caso vigorasse antes a regra da despesa pública não poder crescer acima da inflação do ano anterior, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).O estudo tem por objetivo fazer uma simulação do impacto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) a partir de dados já conhecidos, e não em projeções que até o momento se baseiam em meros palpites hipotéticos.

Se estivesse valendo desde 2007, ou seja, há nove anos, mesmo período de vigência previsto na PEC, pois a proposta prevê que o teto valha por 20 anos, mas permite revisão a partir do nono ano, teria exigido corte de despesas de R$ 430,3 bilhões no Orçamento da União do ano de 2015 e de R$ 1,82 trilhão desde 2007. Este montante representa 30,8% do PIB do ano passado. O corte de R$ 430,3 bilhões teria representado redução de 31,8% da despesa primária total de 2015 e 19,6% do total do orçamento (que inclui as despesas financeiras), ou 7,3% do PIB do ano passado. Em outras palavras, em vez de uma atuação anticíclica face a crise mundial explodida em setembro de 2008, teria ocorrido uma Grande Depressão no Brasil!

A implementação do teto não será possível sem, de alguma forma, cortar despesas obrigatórias. A PEC não diz diretamente, na prática, como se pretende lidar com a redução de despesas obrigatórias, isto é, gastos não passíveis de cortes por disposições legais, caso de grande parte da despesa com pessoal e aposentadorias.

É tão risível essa proposta que não dá para levar a sério “o gênio” que a formulou… E os carneirinhos que a aprovarão. E os colunistas da “grande” imprensa brasileira que a defendem. Não falam sem rodeios que pretendem implementar o programa eleitoral derrotado democraticamente em 2014. Até serem derrotados, novamente, em 2018. O risco maior é, sob essa perspectiva de derrota, o golpe se estender até a impugnação do candidato com maior chance de derrotá-los ou o cancelamento da própria eleição.

Crédito da foto da página inicial:  Lula Marques/Agência PT

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