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Advogado do diabo em defesa da ‘desindustrialização’

Os “fortes e não oprimidos” necessitam de defesa?! Evidentemente, dispensam-na. No entanto, a postura científica exige seguidas tentativas de falsear hipóteses para verificar se elas se sustentam. Senão, trocamos por outra. Não há fidelidade no mundo da Ciência.

Iconoclasta é nome dado ao membro do movimento de contestação à veneração de ícones religiosos que surgiu no século VIII denominado Iconoclastia. Este termo significa literalmente “quebrador de imagem”. Engloba os indivíduos que não respeitam tradições e crenças estabelecidas ou se opõem a qualquer tipo de culto ou veneração seja de imagens ou outros elementos. O termo abrange ainda aqueles que destroem monumentos, obras de arte e símbolos. Principalmente, rejeita a veneração de imagens religiosas por considerar o ato como idolatria.

Luddismo é o movimento ocorrido na Inglaterra no século XIX, liderado pelo operário Ned Ludd, contrário à introdução de máquinas na indústria têxtil, pela crença de que isso levaria ao desemprego dos artesãos e, consequentemente, ao caos social. Por extensão, refere-se à posição contrária a qualquer avanço tecnológico, por considerá-lo socialmente prejudicial.

Esta é a contenda aqui apresentada: Iconoclastia versus Luddismo! Atuarei em defesa da “desindustrialização”contra os contrários (sic) à introdução de automação robótica na indústria, pela crença de que isso levaria ao desemprego de operários. A posição contrária a qualquer avanço tecnológico, por considerá-lo socialmente prejudicial, reage contra o progresso histórico, portanto, é reacionária, isto é, contrária às ideias de um processo de transformação da sociedade.

Sociedade é um sistema complexo que emerge de interações entre múltiplos componentes. Em uma dependência de trajetória caótica, que se afasta das condições iniciais, quando a indústria oferecia os melhores empregos e agregava mais valor (e mais-valia aos bolsos dos capitalistas), temos de fazer análises em diversas escalas. Tal como em um mapa de GPS devemos dar distintos zooms, para localizar onde estamos no aqui e agora – e para onde vamos. Nossa única certeza a priori é que, nessa dinâmica, não haverá convergência futura a nenhum equilíbrio macroeconômico estático como pregam cartilhas ortodoxas.

Face a esse holismo – abordagem científica que dá prioridade ao entendimento global dos fenômenos, descartando o procedimento analítico em que seus componentes são analisados ou tomados isoladamente – quase todas as hipóteses levantadas pelos debatedores da “desindustrialização” são próprias de simplório reducionismo. Este procedimento propõe a decomposição de um fenômeno complexo a suas partes constituintes mais simples, argumentando que o exame isolado de seus termos ajudaria na resolução de questões científicas mais complexas.

Por exemplo, alguns economistas acham que o crescimento seria específico à atividade de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), mas não ao setor de atividade industrial. Nesse caso, poderia fazer sentido estimular através da política econômica atividades de P&D, mas não necessariamente a indústria ou setores industriais específicos.

Os adeptos dessa hipótese diagnosticam que, após a fase de industrialização nascente, quando cresceu a “taxas chinesas”, a indústria brasileira passou de uma situação denominada de “doença soviética”. A participação da indústria era muito superior à norma internacional, na Era Nacional-Desenvolvimentista, convergindo para a situação normal na Era Neoliberal durante as “duas décadas perdidas” (80s e 90s). Nesse sentido, o movimento de desindustrialização seria apenas uma correção de rota, dado o excesso anterior provocado pelo Modelo (Estatizante) de Substituição de Importações.

Como sábios-pregadores, eles propagam o individualismo moralista: tudo se resolveria a partir da virtude da parcimônia, isto é, elevação da poupança doméstica, e da educação tecnológica. Em um passe de mágica, daí se desdobrariam as inovações.

Outra hipótese associa a perda de participação da indústria no PIB à combinação conjuntural de preços de commodities elevados e grande entrada de capitais estrangeiros. Na resultante conjuntura de pleno emprego, a elevação da demanda por bens não comercializáveis acabou resultando em elevação da demanda por mão de obra no setor de serviços. Com o deslocamento da mão de obra para o setor de serviços, ocorreu o fenômeno da desindustrialização. Essa conjuntura já era…

A estagnação da produção industrial, para outros analistas, estaria associada a um crescimento dos salários reais acima da produtividade. A expansão da demanda agregada e, em especial, no setor de serviços, elevou a demanda por mão de obra, pressionando os salários. Eles já vinham crescendo por conta da política de aumento real do salário mínimo. O contágio da crise internacional e a política de retenção de trabalhadores, dada a situação próxima do pleno emprego, teria acentuado a queda da produtividade, elevando os custos unitários do trabalho.

Esta elevação de custos, combinados com o cenário internacional adverso, seria a explicação para a estagnação da produção industrial. Face a este diagnóstico, uma Grande Depressão com desemprego massivo resolveria o problema. É uma terapia “simples” assim.

Outros doutores (novo-desenvolvimentistas) focalizam as variáveis macroeconômicas. Receitam, em especial, uma depreciação da moeda nacional (elevação da taxa de câmbio) para promover uma indústria competitiva. Em razão da abundância de recursos naturais, somada à entrada de capitais ou à política cambial “populista”, voltadas para manter os salários reais artificialmente elevados, a existência dessa indústria que utiliza tecnologias no estado da arte mundial seria inviável. A gravidade da “doença holandesa” seria definida pela diferença entre a taxa de câmbio de equilíbrio corrente e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial.

Não percebem os reagentes a essa terapia. Um choque cambial, provocado por variação discricionária no sistema de preços relativos, causaria conflito distributivo. Outras rendas perderiam posições relativas à dos exportadores e demandariam reposição inflacionária. O consequente choque de custos se somaria ao custo dos insumos importados.

Ao fim e ao cabo, em processo de retroalimentação inflacionária, não há nenhuma garantia de que o incentivo ao lucro dos industriais exportadores se manteria incólume. E um governo com hegemonia trabalhista consideraria inviável politicamente “dar um tiro pé”, isto é, tirar poder aquisitivo real de sua base eleitoral.

Estruturalistas salientam que, mesmo na Era Neoliberal, houve manutenção da participação dos setores industriais intensivos em escala e baseados em Ciência e Engenharia, embora tanto eles como os setores intensivos em recursos naturais tenham elevado suas participações em detrimento dos setores intensivos em trabalho. Não houve sinais inequívocos de desindustrialização.

No entanto, “comercialistas” afirmam que a economia brasileira estaria entrando em um processo de desindustrialização precoce em razão do estancamento absoluto da produtividade pelo distanciamento relativo em relação à produtividade dos Estados Unidos, o aumento do déficit comercial de setores intensivos em tecnologia e o aumento da elasticidade-renda das importações em ritmo superior ao das exportações. A partir da análise do coeficiente importado de bens comercializáveis, constata-se que ocorreu aumento significativo desse indicador, em especial, nos setores classificados como de alta e média alta intensidade tecnológica.

Internacionalistas dizem que a escala e a intensidade das transformações em curso no sistema produtivo global têm redefinido o mapa da produção, do comércio, do investimento, da tecnologia e das finanças globais, exercendo forças importantes que afetam todos os países com estruturas industriais minimamente diversificadas. Essas transformações estão inter-relacionadas.

A reorganização das estratégias globais de organização da atividade produtiva por parte das empresas transnacionais afetou as possibilidades de desenvolvimento industrial nacional. Houve continuidade da concentração no domínio de conhecimento tecnológico por parte das grandes empresas transnacionais. O ressurgimento imperial da China como grande fornecedora mundial de produtos manufaturados barateou (e popularizou) bens industriais antes considerados “de luxo”. O lançamento de políticas ativas por parte de diversos países para recuperar sua atividade industrial e fomentar a inovação em novas áreas e setores econômicos levou ao acirramento da competição internacional para ocupação da capacidade produtiva industrial ociosa e ao protecionismo de mercados internos.

O encolhimento das margens de lucro do núcleo da atividade industrial foi muito mais motivado pelo aumento do consumo intermediário de serviços tradicionais, cujos custos apresentaram maior crescimento do que os custos salariais. São associados ao comércio, transporte e serviços prestados às empresas, como os gastos com atividades administrativas, segurança, limpeza, jurídicas e contábeis e de publicidade. Nestes segmentos encontra-se parte expressiva de trabalhadores terceirizados, cujos salários são diretamente impactados pelo salário mínimo.

Então, mais relevantes do que o conflito distributivo entre lucros e salários foram as mudanças na estrutura produtiva, a partir das quais a indústria de transformação como um todo foi enfraquecida, enquanto os serviços tradicionais avançaram. A substituição de bens industriais nacionais por importados criou diversas oportunidades de negócios para empresas comercializadoras e transportadoras dos produtos estrangeiros.

A Quarta Revolução Industrial – com veículos autônomos, robôs, inteligência artificial, impressoras 3D, manufaturas aditivas ou digitais, internet industrial das coisas etc. – está já causando disruptura não só nos modelos de negócios, mas também no mercado de trabalho. Milhões de empregos em escritórios de administração, construção e extração, instalação e manutenção, negócios, jurídico e financeiro desaparecerão no mundo em decorrência de redundância, automação ou desintermediação.

Em contrapartida, milhões de vagas serão criadas, principalmente em áreas relacionadas à Computação, Matemática, Arquitetura e Engenharia. Trabalhos ligados a educação e treinamento têm perspectiva de crescimento pela necessidade de suprir um déficit de profissionais capacitados nessas tecnologias e de outros mais multidisciplinares e flexíveis para adequação a outras atividades da economia criativa.

Para a corrente filosófica conhecida como relativismo a verdade é relativa, ou seja, não existe uma verdade absoluta que se aplique no plano geral. Assim, a verdade pode se aplicar para alguns analistas e para outros não, pois depende da perspectiva e contexto de cada um. A verdade absoluta é aquela que seria aceita por todos em todo o tempo e em todos os lugares, ou seja, o oposto de um novo processo fenomenal dinâmico como a denominada “desindustrialização”.

Todos aqueles argutos argumentos hipotéticos correspondem a parte de um total, ou seja, a componentes que interagem na emergência de um todo. Um juízo parcial analisa parte de uma situação, ignorando o ponto de vista geral desta.

Em vez da velha tática de “combater o inimigo do povo”, encarnado seja na chamada “financeirização“, seja na dita “desindustrialização”, sob o risco de nos tornarmos cada vez mais anacrônicos, senão reacionários ao reagir contra o avanço da história, devemos examinar as distintas possibilidades do novo como um todo. O capitalismo industrial, em suas linhas de montagem alienantes, não era melhor do que o capitalismo contemporâneo, denominado apressadamente de “capitalismo desindustrializado e financeirizado“.

Face ao admirável mundo novo, devemos dirigir nossos esforços para a conquista de direitos e o exercício de deveres da cidadania. Assim, conseguiremos a mudança social de modo de vida (e não apenas de modo de produção), por exemplo, diminuindo a jornada de trabalho semanal para 4 dias de 9 horas de trabalho alienante, com a manutenção dos salários e encargos trabalhistas. Sobrarão 3 dias para o trabalho criativo. Melhoraremos a qualidade de vida e evitaremos a concentração da renda em favor apenas de acionistas. Senão, eles se apropriariam de quase toda elevação da produtividade dos poucos trabalhadores empregados na futura indústria.

Crédito da foto da página inicial: EBC

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