Publicado em Manchetômetro em 19-1-2015
Na verdade o título desse artigo é um pouco dramático. O Manchetômetro nunca parou de existir como prática de pesquisa. Apenas programamos uma suspensão de duas semanas na atividade de codificação dos dados para que pudéssemos adequar os parâmetros de análise à realidade da cobertura pós-eleitoral.
Essa mudança foi trabalhosa, pois dentro da lógica eleitoral de polarização e competição acirrada entre candidatos era mais fácil focar as análises: candidatos e partidos são temas óbvios e principais, a cobertura de escândalos também se torna obrigatória devido à insistência da grande mídia em agendá-los, etc. A eleição também proporciona uma periodização mais fácil e simples. Há o período pré-campanha, o período da campanha até o primeiro turno e a campanha do segundo turno.
Finda a eleição, a lógica da política muda, o conflito aberto é substituído pelos acordos potencialmente cambiantes e por uma guerra quase silenciosa de posições. Mas não muda tanto assim, ou pelo menos não mudou tanto assim no caso da reeleição de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores. Tornou-se lugar comum nas democracias mundo afora o uso da expressão “lua de mel” para denotar o período imediatamente posterior à posse de um novo governante, quando oposição, mídia e sociedade civil organizada baixam a guarda e permitem que o eleito tome suas primeiras decisões e organize seu novo governo.
Dilma, contudo, não foi contemplada nem com o mais leve esboço de uma lua de mel. Pelo contrário, logo após o resultado eleitoral, a oposição, novamente ancorada pela militância dos grandes meios de comunicação, tentou pelo menos duas maneiras de inviabilizar sua posse: pedindo recontagem de votos por alegação de fraude e pressionando o TSE pela rejeição de suas contas de campanha.
Não bastasse isso, o escândalo da Petrobrás que já havia servido de combustível para inúmeras denúncias contra Dilma e o PT durante a campanha — destaque para a já histórica capa da Veja às vésperas do segundo turno — tornou-se o assunto mais noticiado desde o término do período eleitoral.
Em suma, ainda que a lógica da política necessariamente mude depois da eleição, a lógica da cobertura midiática da política (e da economia) não necessariamente segue o mesmo caminho. É o que o Manchetômetro vem descobrindo com as análises do cenário pós-eleitoral que começamos a apresentar aqui. O projeto é amplo e ambicioso, por isso decidimos lançá-lo em módulos.
Para começar expandimos o raio de nossas análises: antes nossa base de dados era composta somente dos textos nas capas dos jornais impressos, agora analisamos não somente as capas, mas também as duas páginas de opinião no miolo dos periódicos. Isso nos permitirá não somente capturar o sentido emprestado pelos editores ao instrumento de comunicação mais efetivo do jornal, a capa, mas também ter ideia do posicionamento que o próprio jornal assume explicitamente em seus editoriais, que seus articulistas convidados e colunistas contratados expressam nessas páginas.
As funções retóricas desses elementos da comunicação jornalísticas são distintas. A capa é um resumo de todo o jornal, e mistura opinião e reportagens “factuais”. Ela transmite agendamento e enquadramento de maneira sintética e compacta. Os editoriais são a voz direta do jornal, sem mediações.
Já os articulistas são um time de jornalistas e publicistas cativos que cumprem uma função retórica incerta, entre a posição do jornal e a representação do público. Sua retórica é claramente aquela do jornalismo crítico e independente, mas os critérios para a formação de um time de articulistas estão longe de ser transparentes ou independentes das posições e interesses da editoria do jornal. Já os artigos de opinião de convidados têm a clara função retórica de representar o debate púbico em sua diversidade. Claro que essa diversidade é aquela que a editoria do jornal entende como apropriada ou relevante.
Lançamos três páginas nesse primeiro módulo. A primeira é dedicada à presidenta Dilma Rousseff. De cara, pela observação rápida dos gráficos nessa página, podemos facilmente compreender o que dissemos logo acima sobre ter sido negada a Dilma uma lua de mel. Matérias favoráveis são praticamente inexistentes. A proporção entre manchetes e chamadas contrárias e neutras é de praticamente 1:1. Os três grandes jornais juntos dedicam a Dilma já na primeira semana após o Segundo Turno um total de 19 matérias e chamadas de capa negativas, recorde para todo período. Na primeira semana de dezembro do ano passado o número atinge 18, como mostra o gráfico abaixo:
Assim como no período eleitoral, a cobertura do Jornal Nacional apresentou perfil similar a dos jornais impressos. As valências de suas notícias durante o período que vai da semana após o segundo turno até agora vai no gráfico abaixo:
Se nas capas a cobertura já mostra viés contrário à Dilma, quando adentramos as páginas de opinião dos jornais esse viés fica ainda mais extremo. Comecemos pelos editoriais:
Os editoriais dos grandes jornais constituem uma verdadeira barragem de textos contrários à Dilma. Na segunda semana de novembro de 2014 temos um pico de 14 editoriais negativos. Se temos três jornais e sete dias na semana, isso significa que, em média, a cada três dias, cada jornal publicou dois editoriais negativos em relação à presidenta. Na última semana esse recorde quase foi igualado. Tivemos 13! Ademais, é importante notar a tendência constante de produção, semana após semana, de textos contrários a Dilma, com neutros sempre bem abaixo, com exceção da terceira semana de dezembro, e favoráveis mantendo seu nível próximo a zero.
Vejamos agora os artigos de opinião, aqueles escritos pelos articulistas contratados dos jornais. Eles seguem perfil similar ao dos editoriais, com viés extremamente negativo, inclusive coincidindo com desenho da curva similar. O pico de artigos de opinião negativos se dá também na segunda semana de novembro, 15 textos negativos, quase um por dia por jornal. E na última semana, segunda de janeiro, o número também sobe, aqui para 13. Os neutros ficam sempre bem abaixo, sem qualquer exceção e os textos favoráveis variam entre 0 e 2 e 0 e 1, semana após semana. Nas colunas temos um pouco mais de variação, como mostra o gráfico abaixo:
Nesses textos, escritos por convidados das editorias dos jornais, há um entrelaçamento maior entre as curvas de neutros e contrários. Ou seja, há um número similar e até um certo equilíbrio entre um e outro tipo de texto. Favoráveis, contudo, são praticamente inexistentes. Ou seja, quando os jornais são menos enviesados contra Dilma Rousseff, como nas colunas, a opinião expressa por eles varia entre o contrário e o neutro.
Como podemos constatar nessa breve análise, Dilma continua sob fogo cerrado da cobertura da grande imprensa. O padrão de viés contrário a ela continua similar àquele do período eleitoral, já revelado em análises prévias do Manchetômetro. Nas páginas de opinião, que não foram analisadas durante o período eleitoral, descobrimos um viés ainda mais forte contra a presidente reeleita. Se somarmos editoriais e artigos de opinião chegamos a números expressivos como o de 29 textos contrários na segunda semana de novembro. Somando as seis colunas negativas publicadas nessa semana, o número vai para 35: uma média de cinco textos contrários a Dilma por dia nos três jornais.
Também disponibilizamos para o internauta uma página com a análise da cobertura dos partidos políticos e da Operação Lava Jato , as quais comentaremos em breve. Nossos planos incluem uma pletora de novas análises e a inclusão de outros meios de comunicação noticiosos, impressos e virtuais.
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