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A saída fiscal pode estar na emissão de dinheiro pelo Estado

Os Estados estão passando por uma profunda crise de credibilidade que tem colocado em xeque, pelo mundo, conquistas democráticas consideradas irreversíveis. Tudo em função da dificuldade de garantir prosperidade econômica a partir do discurso da austeridade adotado no pós-crise de 2008. A economia precisa de ação e de “ação já”, tal como na época de Roosevelt. Porém, muitos veem que a ação não é possível por conta dos déficits e dos níveis de endividamento existentes.

Houve consenso, a partir de 2010, entre os acadêmicos e imprensa, em torno da necessidade do ajuste fiscal, que, na prática, trata-se da subordinação da condução das políticas econômicas do Estado aos desígnios dos mercados financeiros. Embora discorde desse consenso de austeridade, vamos considerá-lo, tendo em vista que até (o economista norte-americano Nouriel) Roubini (1) caiu nessa retórica. Todos sabem que o ajuste fiscal fundado em cortes de gastos e aumento de impostos é necessariamente recessivo. A dúvida que paira é sobre quão recessivo e por quanto tempo para atingir os resultados esperados.

O ajuste fiscal brasileiro tem sido contraprodutivo por provocar desorganização da oferta e enfraquecer a demanda (investimento, sobretudo), fragilizando a produção, o emprego e a estabilidade econômica para obter crédito e realizar investimentos. O ajuste tem sido socialmente regressivo, pois perdem os que mais precisam: o trabalhador que depende da renda e as famílias que dependem das transferências.

Haveria alternativa a este consenso? Em quase 300 anos de teoria econômica não se produziu nada melhor do que oprimir o cidadão e exigir seu sacrifício para sair de crises? São reformas no mundo do trabalho e da seguridade social ou reformas da relação do Estado com o mercado financeiro que se fazem necessárias?

Existe alternativa e ela é prática.

Cabe ao Estado adotar as práticas modernas que o sistema bancário sempre adotou, isto é, lançar dívida não pagadora de juros para financiar ativos (investimentos). O Estado pode financiar os seus déficits sem precisar recorrer ao aumento da carga tributária ou ao endividamento público tradicional, basta que emita passivos não portadores de juros, isto é, dinheiro.

Dinheiro é dívida do Estado e todos a aceitam porque ela é a forma para adquirir os bens e serviços da nossa sociedade. No fim, todos querem dinheiro na sociedade do mercado e não há razão para que o dinheiro falte, sobretudo ao próprio Estado que é soberano e seu emissor por natureza.

Mas a emissão de moeda não causa inflação?

Bem, se isso causasse inflação, então os bancos não poderiam ser autorizados a criar crédito. Para longe do mito, a inflação é causada por uma série de fatores que envolvem as condições de oferta e da demanda do produto (não da moeda). Desde que o Estado crie moeda para fazer investimentos que são necessários para a nossa sociedade, em um cenário em que os empresários estão desalentados para investir ou estão aplicando em papéis no sistema financeiro, por que fazer o investimento público seria inflacionário? Onde está a pressão de demanda tão enfatizada pelos economistas tradicionais, sobretudo em economias estagnadas? Ademais, o investimento amplia a capacidade da oferta, permite fazer exatamente o contrário do ajuste fiscal, ou seja, equilibrar a oferta e demanda mitigando pressões inflacionárias futuras, bem como permite o caminho do reequilíbrio das contas públicas via aumento da arrecadação provocado pela expansão do produto.

Por este processo o Estado pode reduzir a relação dívida/PIB, seja por quitar parte dos seus compromissos, seja pela elevação do PIB a partir dos impactos dos investimentos. Isso já está sendo feito no Japão e está sendo defendido no Reino Unido. Recentemente, tem sido objeto de discussão nos EUA, Europa e Brasil, justamente pelo esgotamento do espaço fiscal tradicional e do reconhecimento do fracasso do ajuste fiscal (2).

O Estado deve continuar a utilizar tributos e títulos públicos de forma a recolher excessos de liquidez, administrar a demanda agregada, redistribuir renda. Porém, sem o expediente do dinheiro estatal temos apenas duas vias para a economia: a “desastrosa” e a “da justiça social”.

A via “desastrosa” (para a maioria da população) é a que está sendo adotada com os cortes de gastos públicos (inclusive de investimentos), reversão de direitos e garantias constitucionais e com elevação de impostos sobre a renda e as transações do público. O desastre está no fato de que, além de estes expedientes não resolverem o problema das contas públicas, eles minam a capacidade de reação da atividade econômica, agravando ainda mais a questão fiscal.

As reformas são apenas sinônimo de perda de direitos para “baratear” o cidadão e o trabalhador, indo na contramão do que sustenta a atividade produtiva: o desejo e capacidade de comprar.

A via “da justiça social”, e que deveria ser adotada por questão ética independentemente da situação econômica e fiscal, consiste no aumento imediato de tributos sobre a riqueza da camada mais afluente da sociedade (via alíquotas diferenciadas de acordo com o patrimônio). No Brasil, os tributos sobre a riqueza somam quase 4% da Receita Tributária (3), enquanto tributos sobre o consumo atingem 50%. Este tipo de tributação poderia recolher a quantia necessária para cobrir o déficit (primário e até o nominal). Tal política deve vir acompanhada de regulação da entrada e saída de capitais, como deve fazer todo país que tenha pressão nos compromissos internacionais em outra moeda.

É possível que a aversão à justiça social tenha provocado o discurso da austeridade fiscal recessiva e regressiva, induzindo reformas para que setores se apropriem ainda mais dos recursos públicos antes destinados à vasta população (vide: benefícios fiscais, reforma trabalhista e de seguridade).

Infelizmente, o país tem adotado a “via desastrosa” desde 2015 e não há sinalização de mudança. Porém, a discussão econômica está voltando ao seu estado da arte com os economistas tradicionais tendo que se posicionar quanto à “velha” Modern Money Theory (MMT) (4). Essa discussão está longe de ser nova (5), a revolução de John Maynard Keynes foi no entendimento do papel do dinheiro na economia moderna industrial e financeira (6). Quando se diz que os economistas não entenderam Keynes, na verdade significa dizer que, até hoje, eles não entenderam o dinheiro, por isso a “surpresa” ou “novidade” com a MMT.

É justamente o uso do dinheiro na promoção do ajuste expansivo do produto, da renda e do emprego, não o ajuste recessivo e regressivo, que pode entregar o que uma economia necessita para sair de sua crise, preservando as instituições democráticas.

Por este expediente financiou-se os maiores programas de obras públicas da história moderna, revoluções, guerras e a paz com prosperidade. Quem sabe nos próximos anos a saída fiscal será pela “conquista pública” do dinheiro, com o Estado se libertando da camisa de força colocada pelos que lucram ao constrangê-lo a se endividar a juros ao invés de utilizar seu próprio dinheiro.

Notas:

(6) Keynes (1930) Tratado sobre a Moeda; Keynes (1936) A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda

Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil

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