Após a eclosão do conflito militar entre Rússia e Ucrânia, o Brasil referendou Resolução da Assembleia Geral da ONU condenando a invasão russa, mas tem mantido posição contrária à aplicação de sanções.
Uma oposição da diplomacia brasileira à aplicação de sanções não é novidade. Ela reflete visão de que em muitos casos essas medidas podem ser contraproducentes a esforços de pacificação, por amplificar efeitos dos conflitos e ainda pesar desproporcionalmente sobre populações civis, reduzindo espaços para o desenvolvimento econômico que pode ser útil à superação de algumas das mazelas que alimentam conflitos militares e convulsões sociais.
O governo brasileiro teve assim a felicidade de, até o momento, ver seu posicionamento internacional ser conduzido por uma diplomacia profissional que reafirmou o compromisso com a solução pacífica de controvérsias e o respeito à integridade territorial dos países, sem deixar de reconhecer que a ação russa tem razões objetivas que vêm sendo explicitadas à comunidade internacional há muitos anos, sem uma solução satisfatória, e que a aplicação de sanções não contribui adequadamente para tratar as causas do conflito.
Ao que parece, essa participação por ora apenas mais simbólica do governo brasileiro no “corredor polonês” internacional formado contra a Rússia teve até aqui danos leves ao Brasil, em que pese a provável dificuldade na importação de fertilizantes, que serve a demonstrar didaticamente como foi errada a reversão dos investimentos da Petrobras na produção nacional desse produto, essencial ao agronegócio brasileiro.
Outros danos, de natureza financeira e que atingem os mercados de crédito, também podem levar ao adiamento de projetos de infraestrutura, mostrando ser importante garantir a capacidade de bancos públicos financiarem projetos estratégicos ao Brasil.
Como o ano de 2022 é um ano de eleições presidenciais, o debate sobre a política externa brasileira no futuro próximo deve jogar luz sobre o fato de que o Brasil precisa lidar com as novas configurações geopolíticas tendo como ponto de partida assumir um protagonismo construtivo na condição de maior país da América Latina, sem perder de vista que vive um grave quadro de alto desemprego, reconcentração de renda e perda de dinamismo que afeta negativamente não apenas suas próprias perspectivas, mas também as de seus vizinhos.
De parte do candidato líder das pesquisas, o ex-presidente Lula, as declarações até aqui de um lado referendam a posição histórica da diplomacia brasileira em favor da solução pacífica de conflitos, e de outro lado apontam ao público interno ao enfatizar que decisões de Estado devem se pautar pela busca de soluções para o desemprego e a estagnação econômica.
De certo modo, à candidatura Lula parece importante preservar o espaço para a parceria estratégica com a Rússia, em especial nos BRICS, mas sem colidir com a conjuntura de formação de opinião pública contrária à Rússia que alcança o país. Essa posição é facilitada pelo fato de o Partido dos Trabalhadores não comandar o Executivo, podendo modular seu discurso conforme essas duas motivações.
Pelo lado do presidente Bolsonaro, que é esperado concorrer à reeleição, a situação é certamente menos flexível, pois o governo que comanda logrou que o país não fosse apontado como hostil pela Rússia, mas terá a responsabilidade de tomar decisões difíceis a depender da extensão do conflito e das sanções, fortemente patrocinadas pelos EUA e por países de seu arco de influência.
Um exemplo de tema sensível e que demandará solução em curto prazo é a posição brasileira a ser adotada no NDB, o chamado banco dos BRICS, que recentemente anunciou uma suspensão de aprovações e desembolsos que tenham a Rússia como beneficiária, alegando a razão técnica de avaliar consequências bancárias de sanções para as atividades do banco.
Caberá ao Brasil trabalhar para que a suspensão seja temporária e não configure um bloqueio de novos recursos a projetos relevantes para a Rússia, se não quiser reproduzir a atuação de instituições multilaterais de influência norte-americana que se buscou contornar com a criação do NDB.
De todo modo, seja qual for o resultado do conflito e da tendência eleitoral a prevalecer no futuro próximo no Brasil, o quadro geopolítico evidencia a necessidade de que o Brasil retome ações de integração latino-americana, de sorte a aumentar sua capacidade de influenciar positivamente os destinos da região, construindo fundamentos objetivos para iniciativas de desenvolvimento econômico coordenadas dos países, em benefício da manutenção de uma agenda de longo prazo voltada ao desenvolvimento humano comum, privilegiando um padrão de soluções de conflitos com base no diálogo e na geração de ganhos mútuos.
O Brasil tem posição privilegiada para liderar soluções para projetos de interesse comum, seja pela atração de recursos de novas fontes de financiamento extra-regional, seja se valendo de instrumentos próprios de crédito e cooperação que coloquem em marcha capacidades industriais, de prestação de serviços e de soluções de engenharia hoje ociosas.
A retomada da Unasul, bem como a modernização e ampliação da atuação do Mercosul e da Aladi, com seus mecanismos institucionais que visam à promoção da integração dos povos da América Latina previsto pela Constituição brasileira de 1988, são elementos centrais para a construção de um espaço regional mais resistente à inevitável pressão de interesses extra-regionais que se voltará à América Latina.
Para que estas pressões sejam absorvidas e redirecionadas de modo positivo aos interesses do conjunto dos países, evitando que evoluam divergências na relação brasileira com seus vizinhos, é necessário que seja dada alta prioridade à integração latino-americana. Temas como infraestrutura, segurança energética, defesa, financiamento, comércio, turismo, sustentabilidade e cultura são centrais para aumentar as chances de progresso compartilhado e de paz duradoura na América Latina.
Crédito da foto da página inicial: Isac Nóbrega/PR/Agência Brasil
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