Não nos parece possível uma saída da atual crise do capitalismo sem a reversão do modo de ser da sociedade capitalista: o crescimento econômico como equação linear não resolve.
Mas a crise não é apenas econômica, é alimentar, energética e ecológica. É uma crise do atual sistema político e econômico. É neste contexto que devemos exercitar nossas reflexões para o período eleitoral e sob esta perspectiva devemos observar a postura das candidaturas à Presidência da República.
O modo de produção que permite o atual padrão de consumo devasta nossas florestas e seca nossos rios, enfim, tem destruído o planeta e seus recursos naturais.
Compromete, assim, o ciclo de chuvas, fertilidade do solo e, por consequência, a própria produção de alimentos para a população.
As terras agriculturáveis vão se esgotando no atual modo de produzir e seu avanço sobre as florestas nas fronteiras agrícolas, ainda que alguém concorde que possa aumentar a produção de alimentos no curto prazo, não se sustenta no longo prazo. O próprio padrão de produção agrícola hoje esgota o solo com suas monocultoras e envenena a terra, a água e os alimentos que consumimos.
Paradigma agroecológico
Temos de um lado o agronegócio das monoculturas, do deserto verde, do uso intensivo dos agrotóxicos e da manipulação genética de impactos, no mínimo, incertos.
Muitas terras que poderiam estar disponíveis para a produção de alimentos hoje servem à celulose e ao etanol. A produção orgânica e sustentável vem da agricultura familiar, é mais fácil você garantir uma produção livre de veneno junto ao agricultor familiar que no agronegócio. Ou seja, é preciso discutir uma reorganização da produção de alimentos do País num paradigma agroecológico.
A Universidade de Essex demonstrou o alto custo (perdas entre 1,5 e 2 bilhões de libras, entre 5,64 e 7,51 bilhões de reais) decorrentes dos danos à atmosfera, à água, à biodiversidade, aos solos e à saúde humana no Reino Unido. Estas externalidades, porém, não são levadas em conta pelos defensores do agronegócio. Nos EUA esses custos seriam de 13 bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 48,84 bilhões).
Apenas no último governo instituiu-se o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), lançado em 2013, que visa à transição agroecológica e à busca por um novo padrão de produção para o campo brasileiro, dentro dos paradigmas do desenvolvimento sustentável.
O Planapo prevê até 2015: R$ 6,5 bilhões em crédito de custeio e investimento no Pronaf e Programa ABC; R$ 758 milhões em Ater; R$ 600 milhões na implantação de tecnologias sociais de acesso à água de produção; R$ 100 milhões para o fortalecimento de Redes de Agroecologia, de Agroextrativismo e de Produção Orgânica; R$ 8,4 milhões no fortalecimento da estruturação produtiva de mulheres rurais; R$ 15 milhões no fortalecimento de programa de inclusão produtiva rural para jovens rurais; R$ 150 milhões na aquisição e distribuição de recursos genéticos vegetais e animais, entre eles sementes crioulas, varietais, orgânicas e agroecológicas, pelo PAA;
E, ainda, R$ 17,1 milhões na implementação de infraestrutura de bancos e casas de sementes comunitárias; R$ 165 milhões em compras de alimentos orgânicos e de base agroecológica pelo PAA; R$ 24 milhões em apoio à promoção dos produtos orgânicos e agroecológicos; e R$ 65 milhões em pesquisa e extensão tecnológica.
É importante destacar que, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, cerca de 4,3 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar ocupam somente 24,3% da área agricultável e produzem 70% dos alimentos consumidos no País e empregam 74,4% dos trabalhadores rurais, além de serem responsáveis por mais de 38% da receita bruta da agropecuária brasileira.
A relação entre a proporção da produção de alimentos oriundos da agricultura familiar e a de sua participação na receita da agropecuária ajuda a inferir que os preços dos alimentos podem baixar diante de uma mudança no paradigma produtivo do meio rural.
Ademais, o desperdício de alimento na cadeia produtiva do agronegócio é 10 vezes maior que na cadeia produtiva do modo produção campesino.
Em 1995, o Brasil viveu o massacre de Corumbiara com o assassinato de 10 camponeses, em 1997 teve o massacre de Eldorado dos Carajás, no qual foram mortos 19 trabalhadores rurais sem-terra. Ao passo que, em 2006, no governo Lula, foi criada a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo.
É preciso avançar na reforma agrária, entretanto, as pouco mais de 690 mil famílias assentadas em 11 anos, entre 2003 e 2013, representam mais de 65% do total de famílias beneficiárias.
Não se vislumbra possível avançar esta pauta sem abordar a questão colocada por Caio Prado Júnior de que as piores terras ficam na mão dos pequenos e médios proprietários e que a desapropriação apenas através do viés do cumprimento ou não da função social da terra – hoje focada na questão da produtividade – perpetua este cenário.
Ou seja, tona-se indispensável a discussão, pautada pelos movimentos sociais, da limitação ao tamanho máximo da propriedade rural.
No fim, é preciso resgatar o folclórico Humpty Dumpty de Lewis Carrol, no livro “Através do Espelho”:
– Quando eu uso uma palavra – disse Humpty Dumpty num tom escarninho – ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique… nem mais nem menos.
– A questão – ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
– A questão – replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso.
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