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A pátria educadora e seus dilemas reformadores

A pátria educadora está precisando debater seu modelo (modelo?) de ensino superior. E, com ele, o conjunto do sistema educativo (de novo: sistema?).

Uma ficha precisa cair, rápido: ensino superior não é apenas universidade. E universidade não é apenas ensino superior. Mundo afora, é assim que a coisa se revela. Aqui, o fantasma do modelo único, a “universidade” de ensino, pesquisa e extensão, habita as mentes. Apenas as mentes, porque, na realidade, é, de fato, um fantasma.

Enquanto isso, na vida real, “universidades” se valorizam de outro modo, constituindo impérios comerciais. Hoje, cinco grandes grupos, fortemente ligados ao capital financeiro, reúnem mais estudantes do que todo o sistema federal somado. E as universidades federais, esfoladas e estagnadas nos anos 1990, renovam-se e crescem, mas a um ritmo insuficiente para responder aos desafios que enfrenta.

Temos uma constelação de escolas em que é predominante o ensino privado – e com fins lucrativos. E, por outro lado, cerca de 40% de seus estudantes são beneficiários de bolsas do ProUni ou de financiamentos subsidiados do FIES.

Em outras palavras, um setor privado inchado e cada vez mais dependente de injeções públicas. Dificilmente isso mudará no curto prazo. Primeiro, porque as isenções fiscais do setor são carimbadas na Constituição. E até hoje não se conseguiu sequer regular esse princípio, em lei ordinária. Revogar? Nem se tentou. Nem o governo, nem as diferentes oposições, à esquerda e à direita.

Por onde, então, pode avançar alguma reforma? Aparentemente, o setor público teria que crescer e disputar espaço com o privado. Mas há vários problemas, além do custo. Cerca de 85% dos estudantes do setor privado frequentam cursos noturnos. E nas universidades federais, não mais do que 30% das vagas estão nesse período. E já foi bem menor, antes das inovações do Reuni.

Em suma: os estudantes das escolas privadas não teriam como estudar nas escolas federais, por mais que estas se expandissem. A não ser que expandissem para a noite. Coisa que encontra bastante resistência. Faz tempo.

Mas não é apenas a expansão do setor público que constitui problema. É o seu modo de funcionamento. Nos anos 1960, quando havia uns 100 mil estudantes no conjunto das escolas, a escola elementar começava a se massificar e o ensino médio, fornecedor de vestibulandos, era um funil estreito.

O sistema escolar cresceu, não tanto quanto o necessário, no nível médio. Mas cresceu bastante, incorporando estudantes de “perfil cognitivo“ menos seleto.

Pobres começam a ter desvantagem desde que nascem e desde que frequentam a escola do beabá. Os saudosistas (em geral também conservadores) lamentam o desaparecimento daqueles dos “velhos tempos”, aqueles que eram bons, para os bem poucos que chegavam ao “colégio”.

Chega de saudade. É preciso fazer, sim, um balanço cáustico e duro do que temos. Mas colocar diante disso o que foi a escola (ou aquilo que dela lembramos) não é apenas algo próximo do inútil.  Pode ser paralisante e reacionário.

O que é o nosso ensino superior de “massa” e sua qualidade, seu conteúdo pedagógico, cognitivo? Acho que não digo nada de novo afirmando que o conjunto de nosso sistema escolar tem se demonstrado incapaz de fornecer ao estudante conhecimentos mínimos necessários à vida como cidadão e profissional.

Redigir e ler adequadamente, fazer as quatro operações e resolver problemas simples como percentagens, regras de três, equações de primeiro grau, geometria elementar; ter noções básicas de ciências naturais e humanas (geografia, história). Hoje, rigorosamente, estamos mantendo um nível superior que, talvez (talvez!) chegue perto dessa tarefa civilizatória.

Em certo sentido, temos um problema “norte-americano” pela frente. Diante da escola média frágil (a high school pública), os americanos inventaram um primeiro ciclo da graduação (os dois primeiros anos do college) que é, basicamente, ensino médio. Nos conteúdos, esses dois anos iniciais da graduação são algo comparável ao liceu francês e ao gimnasyum alemão. É a chamada “educação geral”.

Cerca de 40% dos americanos que têm diploma superior estacionam nesse nível, com um diploma provido por community colleges, o associate degree. Temos um quadro algo similar? Qualquer política para o ensino superior tem que considerar a possibilidade de caracterizar desse modo aquilo que temos.

Podemos não gostar do quadro, mas, nos fatos, o nosso “ensino superior de massa” não é muito mais do que a recuperação (nem sempre bem-sucedida) do que não se fez e deveria ter sido feito nos ciclos anteriores. Talvez menos, em alguns casos.

Há quem comece a análise de nossos problemas e saídas com um cenário “zero”: trata-se de reconstruir inteiramente o edifício, com uma educação integral e inteiramente reformada desde o ventre da mãe. Esse exercício é útil e necessário. Para construir a escola daqueles que estão chegando e daqueles que virão.

Mas e o que fazemos com aqueles que já estão aqui e não tiveram nada disso? São milhões. Devemos ignorá-los? Será aceitável, do ponto de vista ético e político? E será possível – ainda mais se pensamos que são eles que colocam para operar as engrenagens do País? E se é com eles que começaremos a construir o edifício novo?

A política para reformar o ensino tem que ser sistêmica – uma política integrada, para o conjunto, da creche à pós-graduação. E tem que ser uma política calcada naquilo que se quer atingir, mas levando em conta o que se tem – as instituições e as práticas, as pessoas e competências.

Muitas das soluções da reforma serão “gambiarras” provisórias, feitas para a passagem. Terão duração limitada. Outras serão mais duráveis. Sem essa modéstia no planejamento e nas metas será difícil cultivar a ambição imprescindível dos sonhos. A pátria educadora tem que ser uma cozinheira ambiciosa, mas, ao mesmo tempo, não pode se descolar do que tem na despensa. E tem que lembrar que aqueles que preparam o manjar do futuro precisam comer no presente.

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