O livro A Economia Desumana, publicado no ano de 2013 sobre os impactos das políticas de austeridade nas condições de saúde dos países que enfrentaram algum tipo de crise, concluiu que as “recessões ferem, mas a austeridade mata”. Nele, os autores David Stuckler e Sanjay Basu mensuraram os efeitos dos cortes nos respectivos orçamentos da seguridade social, em específico da área da saúde, dos países.
Por meio da “experiência natural[1]”, analisaram o conjunto de países inseridos na Crise Asiática e na Grande Recessão de 2007, e identificaram como esses mesmos países obtiveram desfecho econômico e social diverso devido ao modelo de política econômica adotado. Os países que mantiveram ou até mesmo elevaram seus investimentos na área social conseguiram sair mais rapidamente da crise e com um padrão de vida melhor. Este foi o exemplo da Malásia, país que rejeitou a pílula amarga do FMI e manteve em curso a melhoria da rede de educação e saúde do país.
Entretanto, países seguidores do modelo da austeridade do FMI tiveram mais dificuldades para sair da crise e o resultado dessa política deixou fortes marcas nos indicadores básicos da qualidade de vida da população. O caso mais forte é o da Indonésia, cujos efeitos ainda se fazem presentes, seguido pela Tailândia e Coreia do Sul.
Na Europa, diante da Grande Recessão de 2007, a Grécia, Espanha, Itália e Inglaterra foram os países que implantaram as políticas do ajuste, obtendo resultado muito diverso da Suécia e Islândia que passaram pela mesma crise.
Em recente artigo (Neoliberaslim: Oversold?), o FMI fez mea culpa ao seu projeto de difusão do modelo de política econômica da austeridade. Dentre as constatações, afirma-se, não estão claras as evidências de que políticas neoliberais engendram crescimento sustentável dos países, no entanto os custos da volatilidade econômica e a frequência das crises provocadas por aquelas políticas parecem mais evidentes. Além do que, a abertura financeira e as políticas de austeridade têm forte associação com o aumento da desigualdade econômica dos países adeptos do modelo. Em outras palavras, as políticas de cortes nos gastos sociais aprofundaram a desigualdade.
No quadro geral, é possível observar que o gasto público com saúde tem forte associação com a qualidade da saúde dos países. Conforme visto na tabela I, existe uma relação inversa entre gasto público em saúde e a mortalidade infantil, quando o gasto aumenta a mortalidade cai.
A indonésia é um caso exemplar, além de apresentar um percentual baixo de gasto público em relação ao total do gasto em saúde, 37% em 2014, reduziu o gasto em saúde em relação aos dispêndios do governo, seguindo à risca a recomendação do FMI no período da Crise Asiática. A participação da saúde nos gastos do governo central caiu dos 5,2%, em 1996, para 3,9%, em 1998, sendo um dos principais motivos para as elevadas taxas de mortalidade infantil no país, visto que esse taxa é uma das principais proxy da qualidade dos sistemas de saúde.
A Tailândia, embora apresente um alto percentual de participação pública no sistema de saúde, 86% em 2014, mostra, também, uma taxa de mortalidade infantil relativamente alta. Isso se deve ao fato de que o país passa por um processo de forte redução desse indicador: no intervalo de 1996 até 2014 a queda foi de 51%. Ademais, a incidência de novos casos de HIV na população não infectada de idade 19 a 45 anos caiu aproximadamente 87%, enquanto na Indonésia aumentou 400%.
Nos primeiros anos da Crise Asiática, a Tailândia realizou um corte de 54% do orçamento da saúde no ano de 1998 e o programa de HIV padeceu de uma redução dos recursos na ordem de 33%. Entretanto, essa política de ajuste foi revista dois anos após implantada, revertendo em parte o impacto das políticas de austeridade.
No mesmo período, a Coreia do Sul apresentou forte alta nos números de suicídios, devido, em grande parte, à adoção da política austera. Como esse país tem uma economia produtiva mais diversificada, o poder de reposta foi mais alto, entretanto, mantendo a trajetória ascendente desse indicador.
Conforme sabido, condições econômicas afetam de forma significativa determinadas condutas sociais. Crises que pioram as condições de emprego e renda familiar, quando não compensadas por políticas públicas de segurança social na educação, saúde, transporte, habitação, alimentação e renda, tendem a agravar vícios e distúrbios sociais: violência familiar, alcoolismo, suicídio, infarto, dentre outros. Por isso, países que passam por fortes crises econômicas sem medidas compensatórias sociais relevantes apresentam taxas de suicídios altas, como o foi o caso grego.
Em maio de 2010, os efeitos da Grande Recessão de 2007 resultaram no primeiro pacote de austeridade do FMI voltado aos países europeus mais afetados, sendo a Grécia o caso de maior destaque. Segundo Stuckler e Basu, o objetivo do pacote era manter as despesas com o sistema público de saúde grego a um nível igual ou inferior a 6% do PIB, isso enquanto países do ocidente refletiam taxas bem maiores, tais como, França, Alemanha e Inglaterra cujos níveis eram, respectivamente, 8,7%; 8,6; e 7,9% no ano de 2010. A partir daquele ano, os gastos públicos da saúde em relação PIB na Grécia caíram de 6,2% para 5,0% em 2014.
O resultado maior é que a Grécia ainda se encontra em situação muito difícil e ainda não conseguiu superar a Grande Recessão de 2007.
É importante salientar, o gasto público em saúde não se limita apenas a segurança social da saúde. Os investimentos na área se justificam, também, pelo seu aspecto econômico, pois, de acordo com os autores supracitados, para cada US$ 1, em média, investido na saúde se produz, em média, US$ 3 em crescimento econômico. Isto é, investir em saúde e educação é extremamente positivo para a economia.
No curto prazo, o efeito de conversão dos recursos públicos em trabalho e renda é muito maior do que em outros setores, dada a intensidade em mão de obra. Já no longo prazo, esses investimentos resultam numa mão de obra mais qualificada e saudável.
No Brasil, segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o multiplicador fiscal da Saúde é de 1,70% para o PIB e de 1,44% para a renda das famílias, ou seja, para cada R$ 1,00 gasto em saúde gera-se R$ 1,70 de crescimento do PIB e R$ 1,44 na renda das famílias.
A contribuição da Educação é ainda maior para o PIB e a renda das famílias, sendo de 1,85% e 1,67%, respectivamente. O estudo do IPEA deixa claro que os gastos com Educação e Saúde são verdadeiramente investimentos econômicos que acrescentam riqueza ao país, enquanto os gastos com obrigações da dívida são de fato um custo para país, oferecendo variação negativa em relação ao retorno para o PIB.
Assim, o gasto com a seguridade está para além da segurança social do país. Os gastos sociais, por exemplo, com Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e o Regime Geral da Previdência contribuem, em média, com 1,44%; 1,38% e 1,23% para o crescimento do PIB, dado uma elevação do gasto público nessas áreas, em média, de 1% nas respectivas áreas.
Nota
[1]Devido às dificuldades em isolar as causas e efeitos na ciência social aplicada, a partir dos fenômenos sociais horizontais, tais como, crises e recessões, torna-se oportuno aplicar métodos estatísticos voltados as “experiências naturais”. Esses métodos auxiliam a analisar os efeitos (ex. suicídio, mortalidade, alcoolismo etc.) das políticas econômicas antagônicas (austeridade versus seguridade) implantadas pelos governos diante de uma mesma causa (forte recessão ou crise).
Referências
IPEA, Gastos com a Política Social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda. Comunicados do IPEA: Brasília, n 75, 03 fev. 2011.
OSTRY, Jonathan; LOUGANI, Prakash; FURCERI, Devide.Neoliberalism: oversold? InternationalMonetaryFund/Finance&Development: Washignton, n 2, vol. 53, jun 2016.
STUCKLER, David; BASU, Sanjay..A Economia Desumana: porque mata a austeridade. 1º edição. Bizâncio: Lisboa, abr. 2014.
Crédito da foto da página inicial: Reprodução Portinari
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