Aprovada a Proposta de Emenda à Constituição 241/55 (PEC 241/55), as despesas primárias do governo federal terão sua expansão limitada pela inflação do ano anterior, por 20 anos. De fato, os gastos vêm aumentando sistematicamente acima do crescimento econômico nas últimas décadas, como comprova o Gráfico 1.
Para manter o equilíbrio fiscal, houve aumento da carga tributária, entre 1996 e 2005, de 26,1% para 33,6% do PIB. De 2006 em diante, esta pouco se alterou. Assim, dada a estabilização da tributação e a desaceleração da taxa de formalização, as receitas estariam vinculadas ao crescimento. Portanto, quando de uma eventual crise, o problema fiscal ficaria mais claro. E foi o que ocorreu (Gráfico 2), também devido às desonerações (0,4% do PIB) e aos subsídios (0,9% do PIB) em 2015.
Um estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) [2] faz uma exposição de regras sobre despesas em 29 países. Concluem que países com algum controle de despesas têm um melhor resultado fiscal e que apenas em países emergentes os investimentos são reduzidos quando da introdução de regras fiscais. Para os países emergentes, cabe separar os gastos dos investimentos já que a baixa qualidade da infraestrutura implica queda nos níveis de produtividade, das expectativas de demanda e maiores custos de produção. Outro efeito positivo captado foi forçar a realização de reformas sobre o gerenciamento do orçamento.
O tempo da proposta destoa, sendo muito superior aos outros casos. Mas, ainda há questões que devem ser tomadas com cuidado. Uma delas é que a PEC, caso não acompanhada da reforma da previdência, se torna inócua. A cada ano a previdência ocuparia um maior espaço no orçamento – apequenando os demais itens. Na mesma linha, importante verificar como se dará a disputa pelos recursos, ou seja, se grupos influentes conseguirão benefícios enquanto outros (em geral, os mais pobres) pagam pelo ajuste.
Também parecem ser ignorados o envelhecimento e o crescimento populacional. Não é preciso imaginar como ficaria a situação da saúde (já deficitária) com os mesmos recursos e com aumento da demanda. Esse mesmo raciocínio vale para a educação. No entanto, o ingresso de alunos na rede pública tende a ter sua expansão pelo menos reduzida. Mesmo assim, vale sempre ressaltar que as universidades federais constituem o principal suporte para a pesquisa e para a formação de pesquisadores.
Também se aponta como algo negativo o caráter acíclico da política fiscal a partir da aprovação da PEC. De fato, entretanto, em muitos anos têm predominado uma política fiscal pró-cíclica, o que é ainda pior. Além disso, a PEC começará a valer a partir de um período com inflação declinante, ou seja, em 2017 e 2018 ainda haverá expansão real das despesas.
No entanto, o principal efeito colateral da PEC é retirar da discussão as receitas. O Brasil aparece como uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo em desenvolvimento, próxima da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Contudo, se concentra em tributos indiretos e regressivos, o contrário do que ocorre nos países maduros (Gráficos 3 e 4).
Por exemplo, o país é um dos únicos do mundo em que há isenção de dividendos distribuídos a acionistas no Imposto de Renda. Também praticamente inexistem impostos sobre grandes heranças.
Sendo assim, poderia ser feita uma reforma tributária em busca de maior simplificação e progressividade. Ainda, caso a reforma tributária também fosse tratada em paralelo com a PEC 55, levando em consideração os pontos críticos tratados e as alternativas, haveria maior apoio da população.
De todo modo, estamos num quadro fiscal preocupante, por mais que isso seja causa ou consequência da crise econômica. O ajuste, em 2015, foi feito de maneira equivocada, com cortes de despesas de alto multiplicador fiscal. Um ajuste gradual das despesas é mais adequado – flexibilização no curto prazo em troca de reformas de longo prazo que apontem para a sustentabilidade fiscal, algo que já era pensado pelo ex-ministro Nelson Barbosa.
Como destacado, a PEC 55 não está livre de problemas e, agora, com sua aprovação, certamente serão necessárias correções daqui a alguns anos. Uma possibilidade seria permitir que os gastos se expandam em termos reais com base no crescimento da população [3]. Outra possibilidade seria a redução do número de anos em que a PEC seria revista, por exemplo, a cada quatro anos. Ou ainda, poderia ser criada cláusula de escape caso a economia cresça acima do esperado.
Outra preocupação se refere a despesas prioritárias, como investimentos. Poderia ser adotado um piso (em % do PIB), até porque normalmente são a variável de ajuste nos emergentes, prejudicando o crescimento. Mais uma iniciativa válida seria institucionalizar o Conselho Fiscal previsto na LRF, tornando custosa politicamente a má condução da política fiscal.
Assim, com alterações na PEC e com as reformas da previdência e da estrutura tributária (discutidas e referendadas pela sociedade), tenderia a ocorrer uma redução estrutural dos juros. Com esse alívio financeiro, poderia ocorrer novo ciclo de consumo e investimentos. Por fim, é primordial que o câmbio não se valorize para níveis prejudiciais para a manufatura. Caso seja feito um ajuste fiscal gradual combinado com um câmbio competitivo, estimularíamos a produção e exportação de bens complexos, com efeitos positivos para nosso crescimento de longo prazo.
Notas:
[1] GOBETTI; ORAIR. Flexibilização fiscal: novas evidências e desafios. Ipea: TD 2132, 2015.
[2] CORDES; KINDA; MUTHOORA; WEBER. Expenditure rules: effective tools for sound fiscal policy? IMF: WP 15/29, 2015.
[3] OREIRO. A estratégia de ajuste fiscal do governo Temer e a PEC 241: diagnóstico certo, dosagem errada. Valor, 2016.
Crédito da foto da página inicial: EBC/ABr
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