“Com a preponderância sempre crescente da população urbana que amontoa em grandes centros, a produção capitalista acumula, por um lado, a força motriz histórica da sociedade, mas perturba, por outro lado, o metabolismo entre homem e terra, isto é, o retorno dos componentes da terra consumidos pelo homem, (…), à terra, [perturba] portanto a eterna condição natural da fertilidade do solo. (…) E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade.”
(Karl Marx, O Capital, Primeiro Livro, Volume 2)
“A sociedade burguesa se encontra diante de um dilema: ou avanço para o socialismo ou recaída na barbárie.”
(Engels apud Rosa de Luxemburgo)
Vivemos tempos difíceis, tempos de uma crise financeira, que na verdade vem se mostrando uma das mais profundas e resilientes crises econômicas do capitalismo, cujos desdobramentos são imprevisíveis. Uma crise cuja saída não é possível sem a superação do modelo social e político do capitalismo. O simples crescimento econômico não conseguirá resolver as falhas do sistema. Mas a crise não é apenas econômica, é alimentar, energética e ecológica.
Thomas Piketty, no seu livro O capital no século 21, demonstrou por meio de séries históricas seculares que a desigualdade é inerente ao capitalismo. Piketty sustenta que esse é o padrão histórico, exceto durante a primeira metade do século 20, quando tivemos duas guerras mundiais e a revolução russa. Deste modo, vivemos num modelo no qual a desigualdade crescerá a níveis nunca antes vividos.
Não por outra razão que o dilema socialismo ou barbárie, de fundamental importância para qualquer discussão política desde o século 19, está mais atual que nunca. O padrão de produção, distribuição, acumulação e consumo hoje existente nas nações europeias e americanas do norte não é reproduzível para o conjunto das pessoas do mundo.
Hoje, já se consomem por ano as reservas de uma Terra e meia. Se os sete bilhões de habitantes do planeta adotassem o padrão de consumo dos Estados Unidos, seriam imediatamente necessárias quatro Terras e meia!
Para evitar a barbárie, que já se abate em várias partes do mundo, há que se agregar a defesa do planeta como parte indissociável da luta pelo socialismo. As crises econômica, energética, alimentar e ecológica decorrem do insustentável padrão de consumo imposto pelo capitalismo.
A vida da nossa espécie encontra-se ameaçada. Os impactos das atividades humanas influem no equilíbrio ecológico que permite a sobrevivência do ser humano. Não devemos ser ecologistas apenas por querer preservar o mico-leão-dourado, o urso panda, a baraúna ou o pau-brasil, mas principalmente pelo instinto de autopreservação da espécie.
É exatamente o modo de produção que permite o atual padrão de consumo que devasta nossas florestas e seca nossos rios, enfim, tem destruído o planeta e seus recursos naturais. Compromete assim o ciclo de chuvas, fertilidade do solo e, por consequência, a própria produção de alimentos para a população.
Crise alimentar
As terras agriculturáveis vão se esgotando no atual modo de produzir e seu avanço sobre as florestas nas fronteiras agrícolas. Ainda que alguém concorde que possa aumentar a produção de alimentos no curto prazo, não se sustenta no longo prazo. O próprio padrão de produção agrícola hoje esgota o solo com suas monocultoras e envenena a terra, a água e os alimentos que consumimos.
A crise alimentar é resultante também do atual padrão de consumo. Por exemplo, o esgotamento das reservas de combustíveis fósseis num futuro não tão distante tem-se colocado como alternativa à produção de agrocombustíveis.
Entretanto, esta inovação compete pelas terras férteis com a produção de alimentos. A discussão do modelo de exploração ideal das terras é vital para a discussão de como alimentaremos os sete bilhões de habitantes do planeta.
Há, de um lado, o agronegócio das monoculturas, do deserto verde, do uso intensivo dos agrotóxicos e da manipulação genética de impactos, no mínimo, incertos. Muitas terras que poderiam estar disponíveis para a produção de alimentos hoje servem à celulose e ao etanol.
Outro ponto negativo deste modelo é que a agricultura moderna baseada em insumos, fertilizantes, pesticidas e mecanização apresenta como resultado:
– contaminação da água por pesticidas, nitratos e resíduos de solo e animal;
– contaminação da comida e da ração animal por resíduos de agrotóxicos, causando danos ao produtor e ao consumidor;
– uma ruptura no ecossistema, incluindo os solos, e prejuízos à vida selvagem;
– contaminação da atmosfera por amônia, óxido nitroso, metano e os derivados da combustão;
– sobreuso dos recursos naturais que provoca um esgotamento das reservas d’água e ameaças a vida selvagem, entre muitos outros custos.
As perdas decorrentes dos danos à atmosfera, à água, à biodiversidade, aos solos e à saúde humana, segundo estudo da Universidade de Essex estão estimadas entre 1,5 e 2 bilhões de libras no Reino Unido e 13 bilhões de libras nos EUA.
É preciso um contraponto com a produção orgânica e sustentável, mais viável num modelo que privilegie a agricultura familiar. O exemplo brasileiro, conforme os dados do censo agropecuário do IBGE, nos mostra que é a agricultura familiar e camponesa que põe a maior parte do alimento na nossa mesa. É preciso discutir uma reorganização da produção de alimentos do País num paradigma agroecológico, com uma produção familiar de alimentos saudáveis, livres de produtos químicos, gerando emprego e renda.
Para nos lembrar de que um outro mundo é possível podemos observar a província indiana de Kerala (de população semelhante à do Brasil), referência do economista capitalista e prêmio Nobel de economia Amartya Sen, como exemplo do seu Desenvolvimento como Liberdade, entre outros autores. São os melhores indicadores sociais da Índia, mesmo sem uma economia robusta. Alguns números desta Província: 95% de taxa de alfabetização (61% no resto da Índia); expectativa de vida de 75/78 anos (63 na Índia); um índice de 12 a 14 de mortalidade infantil a cada mil nascidos vivos (58 no restante do país).
Os indicadores de Kerala falam por si, mas é importante frisar que sua renda baixa também significa um padrão de consumo baixo. O sucesso de Kerala virou estudo de caso. Entretanto, o sociólogo Vicent Navarro nos lembra que “estas reduções nas desigualdades sociais e melhorias na saúde são relacionadas com as políticas conduzidas pelo partido governante no Estado, o Partido Comunista Indiano, que governou Kerala por mais tempo nestes últimos quarenta anos.”
Em boa hora surge a vitória do SYRIZA na Grécia, o crescimento do PODEMOS na Espanha e o triunfo dos curdos em Kobane. O planeta não suporta mais o capitalismo, o capitalismo está em crise. É imprescindível que façamos desta crise a crise de superação deste sistema ambientalmente inviável.
Crédito da foto da página inicial: www.ambientalsustentavel.org
#KarlMarx #Kerala #capitalismo #terra #Syriza #Podemos #agroecologia #desigualdade #distribuição #produção #ThomasPiketty #crisealimentar #combustíveisfósseis #socialismo #agrocombustíveis #monoculturas #barbárie #criseenergética #Engels #criseeconômica #acumulação #criseecológica #RosadeLuxemburgo #consumo #agronegócio
Comments