Publicado originalmente em Strogosekretno, sob o título “Lembrem-se do verão e do outono de 2016”
Traduzido do russo para o inglês por Valentina Tzoneva e publicado no SouthFront em 5-10-2016
Traduzido do inglês para o português pelo colaborador do Brasil Debate
Lembrem-se muito bem do verão e do outono [N. do T.: no hemisfério norte] de 2016. Naqueles breves meses, a escolha entre “guerra ou paz” no grande front da Terceira Guerra Mundial estava prestes a ser tomada. Isso não é uma alucinação visual. E é chegada a hora de falar francamente disso, não importa o quão desagradável seja.
E a guerra segue seu curso. A guerra entre, de um lado, os Estados Unidos e a OTAN e, de outro, a Rússia e a China. A guerra é pela hegemonia, e irá determinar se o próximo século, ou mesmo o milênio, será americano ou russo-chinês.
Ninguém deve se enganar quando os líderes russos e chineses chamam os inimigos de “parceiros”. Obviamente, eles não podem chamá-los de idiotas, ainda que Sergei Lavrov tenha chegado a fazê-lo.
A guerra segue seu curso em várias dimensões – informacional, econômica, política e militar. Ela segue como um déjà vu, tipo “algo que já foi visto antes”. E, novamente, o objetivo é a Rússia – que parece estar aceitando o jogo.
Em 1812, Napoleão invadiu a Rússia. Kutusov ficou de início adormecido por alguns meses, até unir as tropas de Bagration e de Tolly para então completar o exército e iniciar uma guerra de guerrilha. A batalha-mor de Borodino não trouxe uma vitória decisiva e os russos tiveram mais uma vez que recuar, aglutinar forças e continuar a guerra de guerrilha.
O que teria acontecido se Kutusov tivesse partido para a batalha-mor contra Napoleão logo de início?
Ele teria sido aniquilado e Napoleão teria conquistado não apenas Moscou, mas poderia ter alcançado os Urais.
Hitler também quis conquistar os Urais na Segunda Guerra Mundial. Stalin, assim como Kutusov, retardou o início da guerra contra o Reich por todos os meios, até que, no verão de 1941, a guerra na Europa já ia avançada por vários anos. A Áustria havia caído pelo Anschluss; a Tchecoslováquia estava fragmentada, assim como a Iugoslávia.
Teria sido possível à União Soviética entrar em guerra em 1938? Sim, teria, mas ela teria sido derrotada em questão de dias porque o exército não se encontrava preparado para tal inimigo. E, quando Hitler estava a seis quilômetros de Moscou, o exército russo começou o seu contra-ataque, que terminou em Berlim.
Agora a guerra se repete quase que nas mesmas dimensões. Os inimigos e aliados, com poucas exceções, são os mesmos – o Ocidente contra o Oriente. E novamente é uma guerra de aniquilação. O Ocidente quer destruir a Rússia de uma vez por todas, erradicá-la da História.
Putin começou a sua guerra com um discurso em Munique, quando ele disse que o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século 20. O Ocidente compreendeu bem o que Putin disse e começou a Terceira Guerra Mundial contra a Rússia – de formas abertas ou dissimuladas, como guerra cibernética, como guerra de informações, como guerra geopolítica, como guerra de verdade e assim por diante.
Ao longo dos últimos dez anos, os principais adversários – os Estados Unidos e a Rússia – subiram o tempo todo as apostas, e os embates escalaram para níveis mais altos. Os Estados Unidos contaram que iriam intimidar Putin, ou eliminá-lo fisicamente. Ele aparentemente recuava, mas todo recuo era usado para apostas mais altas, e a Rússia lentamente escalou para a posição que a União Soviética ocupava na arena global. A estrada é longa e esconde imprevistos, mas a direção é essa.
A situação atual é mais perigosa que qualquer outra nos anos mais quentes da Guerra Fria, coisa que eu me lembro bem.
A questão é: o que este outono que se inicia reserva para nós, quando surpreendentemente e logicamente os jogadores no grande tabuleiro mudaram suas posições? Foi isso o que aconteceu na longínqua cidade chinesa de Hangzhou na reunião do G-20 quando, pela primeira vez, o Ocidente não pode ditar, e teve que ouvir. O G-8, após a retirada da Rússia, já fora sepultado.
O palco foi revirado. A dominância dos Estados Unidos e seus imperativos estratégicos se foram. A partir de agora uma nova peça será encenada: “o declínio da estrutura imperial global e a ascensão de um novo mundo”.
Isso traz momentos ainda mais perigosos na guerra do Ocidente contra o Oriente, o que se encontra evidenciado nos mapas da Europa.
A Rússia detém recursos suficientes para responder. É aí que mora o cinismo dos Estados Unidos e da OTAN, que exportam os seus potenciais nucleares e sistemas antimísseis para a periferia (que para nós da Rússia não é de modo algum uma periferia), sabendo muitíssimo bem que esses sistemas, mísseis e demais parafernálias são uma ficção do ponto de vista militar porque serão destruídos em questão de segundos, e que um dos primeiros objetivos de um ataque russo no caso de um ataque surpresa dos Estados Unidos contra a Rússia será transformar as bases antimísseis da Romênia, Polônia e Turquia em cinzas radioativas.
Em suma, esses países irão aprender como é viver em países mirados pelos mísseis nucleares e de cruzeiro russos. O que os Estados Unidos oferecem em contrapartida não passa de pura provocação. Mas esse é precisamente o objetivo.
De um ponto de vista técnico, as coisas são bastante simples. O mais provável é que já exista uma programação de mísseis para destruir os alvos dos Estados Unidos e da OTAN na Polônia, Romênia e Bulgária. Os mísseis estarão programados para destruir radares, navios, silos, bases ou um país inteiro.
Todo exército tem uma lei: se existir um lugar que ameace a segurança nacional, esse lugar é um alvo – depósitos de armas nucleares e bases aéreas, sistemas antimísseis, portos de submarinos nucleares. Isso vale para qualquer país. A Rússia não é exceção.
Os Estados Unidos se enfraquecerão. O auge de sua capacidade de adotar contramedidas já ficou para trás. As posições da China, da Rússia e dos BRICs se fortalecerão. Isso traz esperança para os países pequenos e médios de que emergirão outros pólos, lhes capacitando a desenvolver-se de forma independente e justa.
A Eurásia é o maior continente sobre a Terra e é uma grande cadeia no sentido geopolítico. O país que dominar a Eurásia controlará dois terços das regiões mais avançadas e produtivas do planeta.
Cerca de 75% da população mundial vivem na Eurásia. A maior parte da riqueza física global se encontra lá. Como um repositório industrial e natural, a Eurásia contribui para 65% do PIB global e três quartos dos recursos energéticos conhecidos – um gigante econômico inédito em termos históricos que não tem mais como ser parado.
Lá no Ocidente, no entanto, o ar ainda cheira a guerra – Obama está indo embora, mas ele cuidou de alertar os americanos para se prepararem para emergências. Talvez ele pudesse querer dizer uma erupção em Yellowstone ou um abalo na falha de San Andreas. Mas o mais provável é que ele estivesse se referindo a uma grande guerra iminente.
Merkel seguiu os seus passos, ao alertar os alemães para manter estoques de suprimentos para dez dias e de água para cinco, considerados dois litros por dia por pessoa. É interessante que eles façam estimativas para cinco e dez dias.
Dê uma olhada nos mapas que mostram os fronts da guerra na Europa e os estados-tampão entre a Rússia e os Estados Unidos. Déjà-vu – como eu falei para você.
Nós com certeza vivemos em tempos históricos ou, mais precisamente, na repetição deles.
A chave está na posição “start”.
Os Estados Unidos moveram a nova cortina de ferro para as fronteiras da Rússia.
Crédito da foto da página inicial: AFP
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