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A financeirização da empresa pública

Domingo 05 de outubro, lidas as urnas no primeiro turno começa um esforço por parte da mídia e de setores da opinião pública para mostrar que Aécio Neves é o real vencedor desta rodada eleitoral, embora Dilma mantenha-se em primeiro e tenha conquistado a maior parte dos eleitores hoje, com 8 milhões de votos de distância do segundo colocado.

Segunda feira, 06 de outubro, a bolsa de valores abre em forte alta, embebedada pelas análises de crescimento das chances de vitória do PSDB. Dólar em queda. Títulos do governo em queda. Petrobras, Banco do Brasil e outras ações de empresas públicas em forte alta. O pregão chega a 7,5% de aumento antes do meio-dia. Um analista de mercado admitiu que, em uma eventual vitória de Aécio, o mercado aceita a precificação da dívida em torno de 3% aa – hoje em torno de 5% e 6%.

O que pode nos dizer todo esse entusiasmo com a candidatura tucana por parte do mercado financeiro? E qual a leitura pode ser feita desse emaranhado de números, posições e dividendos?

Um paulista que lê jornais não entende os motivos do distanciamento entre as expectativas do mercado e as ações do atual governo e pode se convencer de que o mercado em alta é bom sinal. Vai pensar: Dilma é incompetente, o mercado desconfia dela… e emendar: o PSDB sabe governar porque sabe lidar com o dinheiro e gerir melhor. Mas, antes que essas conexões distorcidas se façam, é preciso entender o que está em disputa.

Se você teve a paciência (ou a audácia) de ler este texto até esse trecho, ainda deve estar se perguntando por que sugiro que a expectativa do mercado em torno de 3% (ao invés de 5%) não é um bom sinal. Não é estranho? Logo o mercado financeiro – o centro nevrálgico das decisões de ganhos e lucros, onde vivem os abutres especuladores – logo o homos economicus aceitando um lucro menor pacificamente?

A verdade é que não se trata de reduzir lucros, só vai haver mudança de foco especulativo. A leitura do mercado para uma eventual vitória do PSDB é de que o título da dívida vai deixar de ser interessante. O que passa a ser importante são as ações das empresas públicas numa eventual vitória do PSBD.

Privatização é coisa do passado. A privataria tucana tem chamado muito a atenção. O PSDB sofisticou e financeirizou seu sistema periférico de ganhos e distribuição de dividendos. Veja o caso da SABESP:

A SABESP era uma empresa 100% pública. Resistiu à onda de privatizações do governo do Estado de São Paulo. Foi uma das poucas. Mas, não escapou de abrir-se ao capital externo. Hoje, 49% das suas ações são negociadas na Bolsa de Nova York com alta rentabilidade. Para alimentar os chamados investidores (que nada mais são que os brasileiros que têm dinheiro nos EUA), a SABESP deixou de investir em manutenção para pagar dividendos das ações.

Em termos diretos é o seguinte: parte da conta de água paga por cada morador deste estado vai para lucros e dividendos das ações. Para que os dividendos tenham ainda um melhor retorno e a confiança do chamado mercado financeiro, o governo estadual abriu mão de fazer novos investimentos e a manutenção do sistema tornou-se precária para minimizar os gastos.

Repare que, durante esta grave crise do sistema Cantareira, o governo corta o fornecimento de água pelo período da noite para causar menor impacto. Por que à noite, quando se tem o menor consumo? Não exatamente o consumo é pequeno, porque só em desperdício de água são 30% de vazamentos. Repito: desperdício de 30% da água na cidade de São Paulo por falta de manutenção. Então, imagine se de hoje para amanhã esse modelo passa a fazer parte da Petrobras e Banco do Brasil ou torna-se prática o que o Estado de São Paulo fez com as parcerias do Metrô e concessões altas para os pedágios.

Temos que admitir: o PSDB sofisticou a privatização. Entendeu que não é preciso conceder 100% da empresa ao mercado. Porque, ao privatizar, concede ao mercado também a administração, o ativo, o passivo, o patrimônio, a contabilidade. É desnecessário e não importa. Dá no mesmo se o governo vender ações e distribuir supostos lucros e dividendos. E, melhor ainda, tudo isso passa despercebido pela população que vai olhar o mercado financeiro e se orgulhar da notícia de que o Brasil vai bem na Bolsa de NY.

O trágico de toda essa história é que a lógica especulativa é perversa porque consegue o maior lucro no curto prazo, mas destrói o longo prazo. No Brasil o sistema financeiro não se importa com a sustentabilidade do sistema econômico. Pior, avesso ao risco, especula fortemente contra o setor público, compromete projetos, estrangula investimentos e age contra interesses sociais.

Quando concordamos que é ruim para as ações da empresa pública ter baixo desempenho na bolsa de valores, estamos dizendo o seguinte: vocês do setor público estão administrando mal para minha especulação. Do ponto de vista do interesse privado estamos dizendo: não me interessa se vai ou não faltar água em São Paulo ou se vai ter tecnologia para a Petrobras extrair petróleo de águas profundas. Me interessa 10%, 15%, 20% ao ano de dividendos para minhas ações.

Isso é muito sério. Repito: muito sério. No mundo, os especuladores da bolsa de valores ajudaram a aumentar a miséria. Em 2009, a FAO apresentou um relatório mostrando que a crise provocada pelo mercado financeiro dos EUA agravou a situação de miseráveis, que hoje é pior do que na década de 1970. Basta ler o relatório disponível aqui: https://www.fao.org.br/download/i0680s.pdf.

Muitos podem pensar em motivos próprios para votar nessa eleição, alguns investidores podem até defender que vão ganhar mais em outro governo. Mas, é certo que o processo de financeirização do setor público vai provocar um estrago fortíssimo dos ganhos sociais.

São 55 mil beneficiados pelo sistema financeiro contra 40 milhões dos programas sociais do governo. Vem mercado financeiro, vão políticas sociais. O irônico é que votar pela manutenção do Bolsa Família é eleitoreiro, votar especulação financeira é sofisticado.

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