Os conflitos fundiários no Brasil vêm de longa data, porém é nos anos 1950 e 1960 que se formaram as bases para as primeiras organizações de trabalhadores rurais, como as Ligas Camponesas, associações de lavradores, sindicatos, além da constituição da bandeira da “reforma agrária” (ver Conflitos Sociais no Meio Rural no Brasil Contemporâneo).
Nos anos 1970, a Revolução Verde trouxe o aumento da produção e exportações agrícolas, mas ao mesmo tempo intensificava a concentração fundiária, a dependência de sementes, a degradação ambiental e a geração de lucros extraordinários a favor dos grandes produtores, colocando ainda mais fogo na disputa pela terra.
No campo político, a ditadura militar reprimia com mais força organizações que lutavam pela terra. Mas a luta seguia forte e em 1984 surgiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Mesmo com a conquista da desapropriação de terras sem função social na Constituição de 1988, a situação no campo não evoluía: pelo contrário, o governo Collor foi altamente repressivo e sem ocorrência de desapropriações.
A barbárie seguia seu curso. Nos governos FHC ocorreram os piores conflitos agrários brasileiros – em Corumbiara (RO) e Eldorado dos Carajás (PA) – além do aumento do êxodo rural e o recrudescimento das políticas de crédito especial para a Reforma Agrária. Por sua vez, o MST ganhava grande visibilidade na mídia com a Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça, em 1997, que seguiu por dois meses rumo a Brasília em busca de punição para os massacres e clamando urgência para a reforma agrária.
Os Governos de Lula e Dilma foram os mais exitosos na melhoria das condições dos assentados. Houve a estruturação dos assentamentos e dinamização da agricultura familiar, com o fortalecimento do Pronaf, financiamento agrícola e criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que favorece a compra da produção dos agricultores familiares. Entretanto, apenas no Governo Lula I observa-se um número expressivo de desapropriações e assentamentos. Nos anos seguintes, a política não teve continuidade, o que, somado ao fortalecimento do agronegócio no mesmo período, contribuiu para a permanência de conflitos no campo.
A força do agronegócio pode ser observada pelo poder da Bancada Ruralista, que representa o setor na política por meio da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), com 214 deputados e 22 senadores na Legislatura atual (2015-2018). A Bancada pressiona para restringir direitos e políticas voltadas para as populações mais vulneráveis do campo, atuando contra a reforma agrária e contra os movimentos sociais.
Casos exemplares são a votação da PEC do Trabalho Escravo (2001 a 2012) e mudanças no Código Florestal (2012-2013), assim como a MP da Grilagem (MP 759/2016), que prevê mudanças nas regras de regularização fundiária no país, permitindo que pessoas ou empresas que ocupem uma terra sem o registro legal possam adequar a situação: a lei vai acelerar o processo de grilagem e aumentar a concentração de terra.
Busca-se ainda, baseado na Lei 3729/2004, acabar com o licenciamento ambiental em vários setores. Além disso, as Medidas Provisórias 756 e 758 pretendem regularizar área de conservação ocupada por produtores rurais, reduzindo as áreas de preservação permanente. Em outra frente observa-se o lento desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai), com a PEC 215, que determina que a demarcação de terras indígenas passaria a ser feita pelo Congresso Nacional. Esta segue, porém, suspensa na Câmara de Deputados até segunda ordem.
Tais medidas estão na lista de maldades dos ruralistas há anos e o atual governo que tomou de assalto o poder serve a esses propósitos. A relação entre a Bancada Ruralista e a violência no campo está na ausência de ações para fortalecer as instituições em prol do meio ambiente e de povos tradicionais, como indígenas e sem terra e na falta de medidas que mudem a estrutura fundiária brasileira: ambos levam aos recorrentes conflitos relacionados à terra.
Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de assassinatos no campo vem aumentando, chegando a 50 mortes em 2015 e 61 em 2016. O Norte e o Nordeste são campeões de ocorrências (67%), onde a região Bico do Papagaio (PA, MA e TO) é marcada como a mais violenta no campo brasileiro. Entre os agentes sociais envolvidos em conflitos notificados, os camponeses posseiros (posseiros, seringueiros, ribeirinhos, pescadores etc) destacam-se com 33,2% das ocorrências, seguido dos camponeses sem terra (28%), camponeses assentados/proprietários (14,3%), indígenas (13,1%) e quilombolas (10,1%). Já os protagonistas da violência são em grande medida os fazendeiros, empresários e grileiros (74% dos casos), seguidos de mineradoras, madeireiras, hidrelétricas e o Estado (26% dos casos).
Somente em 2017 ocorreram três massacres no campo, um em Gamela (MA) contra povos indígenas, o massacre dos sem terra em Colniza (MT) e a chacina contra posseiros em Pau d’arco (PA), urgindo falar sobre a desigualdade no campo. Além do massacre no Vale do Javari (AM), em setembro, por grileiros ilegais. Para contribuir para o acompanhamento da situação no campo, a CPT lançou uma página de internet para que se visualizem os massacres derivados de conflitos agrários de 1985 a 2017.
Durante os 32 anos analisados, a CPT registrou 45 massacres com 214 vítimas, entretanto os dados podem ser muito maiores, pois muitos carecem de registros precisos. O Pará lidera o ranking de massacres, com mais de 50% das vítimas, seguido de Rondônia e Mato Grosso. Para piorar situação, segundo a agência Repórter Brasil, 30 dos 40 municípios do sul e sudeste do Pará têm taxa de 100% de impunidade em relação aos assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos 43 anos.
Assim sendo, somente a mudança na estrutura fundiária brasileira, com redução da concentração fundiária e de renda, aliada à punição dos envolvidos em conflitos, garantia de segurança para os povos vulneráveis e avanço no processo de demarcação e titulação, podem contribuir para a redução dos conflitos e assassinatos no campo.
Crédito da foto da página inicial: Arquivo EBC
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