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Foto do escritorBrasil Debate

A espiral bolsonarista

Muitos têm ficado atônitos com as constantes manifestações de desrespeito aos preceitos democráticos praticadas por Jair Bolsonaro. A cada semana o Presidente sobe o tom de sua sinfonia autoritária. Mas não o faz de um modo linear. Todos percebem seu “vai e volta”, “morde e assopra”. Acredito, por outro lado, se tratar mais de um movimento em espiral. Como a espiral da água em direção ao ralo. Trágica e oportuna comparação. Qual seria o seu objetivo? Acredito que já não há muitas dúvidas de que ele e seus pares mais próximos – os filhos, principalmente – querem a ampliação de seu poder, sem que outros Poderes possam exercer qualquer tipo de contraponto. Do lugar de seu ego insano, é a interferência, seja ela qual for, o que mais o incomoda. Contudo, entre o querer e o poder há um percurso grande e, para atravessá-lo, Bolsonaro tem método: o movimento em espiral.

No último domingo (20/abril), o Presidente foi a mais uma manifestação para afrontar as Instituições Democráticas e desrespeitar a determinação de não aglomeração do Governo de Distrito Federal e as orientações do Ministério da Saúde (que ainda não foram revogadas pelo recém-chegado Nelson Teich). Atitude já naturalizada pelas dezenas de notas de repúdio, já tradicionais para as segundas-feiras.

Mas, espertamente, Bolsonaro dá mais um passo em seu movimento centrípeto que empurra o Brasil para o “ralo”. Afirma: “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil!”, em meio a cartazes e gritos de “fora Maia”, “fora STF” e pelo retorno do AI-5. No mesmo domingo, como esperado, as redes sociais “gritaram” de indignação. Obviamente, no dia seguinte, Bolsonaro falou que não defendeu fechamento de outros Poderes e que é defensor da democracia, apesar de acabar escapando um “Eu sou a Constituição”.

Se engana quem acha que as ferramentas do Presidente se limitam aos seus passeios dominicais e suas falas em rede nacional ou nas portarias do Planalto. A falta de política econômica para o enfrentamento do desastre pandêmico é peça chave nesse xadrez. Além do falso dilema proposto pelo próprio Presidente, que coloca em polos opostos economia e saúde, como se nada pudesse fazer, o Governo faz um enorme esforço político para dificultar a tramitação da ajuda a Estados e Municípios, em tramitação no Congresso por meio do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 149/2019.

Óbvio, diante da grande queda na arrecadação, os governadores ficariam com o ônus político do não pagamento de salários e incapacidade de manter serviços essenciais. Assim, ficariam cada vez mais próximos do plano de recuperação fiscal – o chamado Plano Mansueto – que constituía o texto original do PLP nº 149 e que previa o desmonte do patrimônio dos Estados. Esse, por sua vez, foi colocado de lado pelo Congresso.

Para as empresas, mais de um mês desde o início das medidas de restrição social, há alguma oferta de crédito, em grande medida inviável para empresas com pouca capacidade de endividamento, como é o caso das micro e pequenas, além das altas taxas praticadas pelos bancos. Uma breve consulta ao site do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos revela que as condições especiais não são tão “especiais” assim. Não há resgate para as empresas! O Governo, por sua vez, sequer tenta disfarçar isso. Como disse o Secretário do Ministério da Economia, Carlos Da Costa, “o BNDES não vai ser hospital de empresas”. Enquanto isso, indústria e comércio começam a temporada de demissões.

Para as pessoas, a reposta do Governo tem sido em favor do achatamento da renda, por meio das medidas que permitem a redução de salários (MP nº 936). A Renda Básica Emergencial (RBE), aprovada há mais de 20 dias, tem sido dificultada ao máximo e, em meio à pandemia, o que se vê são grandes filas e pessoas virando a madrugada para regularização de seus CPFs para garantir o acesso ao auxílio. Uma boa receita para a produção de um quadro social caótico.

Por fim, enquanto o batalhão de ignorantes e insensatos se reúnem em carreatas, inclusive com buzinaços em frente a hospitais, esbravejando pela flexibilização do isolamento, os sistemas de saúde das principais capitais e regiões metropolitanas começam a colapsar. Em São Paulo e Manaus corpos são enterrados em valas comuns e, ao que tudo indica, no Rio de Janeiro a situação não é diferente.

Esse quadro chama a atenção para outro problema: as subnotificações de casos e mortes. Até o dia 22 de abril/2020 foram confirmados 45.757 casos de infecção por COVID-19, com 2.906 mortes. Por outro lado, as internações de pacientes acometidos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) explodem e cerca de 14 mil casos ainda aguardam por resultados de exames, levando-se em consideração as notificações no InfoGripe/FIOCRUZ, que também carece de atualização dos dados. Contudo outro número chama a atenção, que é o da elevada taxa de sepultamentos.

Em Manaus, apenas no dia 21 de abril, foram sepultadas 136 pessoas, enquanto a média histórica gira em torno de 30 por dia. Claro que nem todos os mortos são por COVID-19, mas a diferença é de cerca de 100 mortos por dia! E essa magnitude numérica tem sido recorrente já faz dias. Ora, entre os dias 21 e 22 de abril o número oficial de mortos por COVID-19 no Brasil é de 165. Ou seja, as mortes diárias atípicas de Manaus – que possui oficialmente 165 mortes acumuladas por COVID-19 até 21 de abril – têm a mesma magnitude numérica das mortes diárias da contabilidade oficial pela pandemia em todo o Brasil. Há algo de muito errado nisso.

Esse é o tripé no qual se sustenta o movimento bolsonarista para pavimentação de uma situação que lhe seja favorável a uma escalada autoritária: retórica e prática presidencial em favor da desestruturação da estabilidade democrática; ausência de política econômica de enfrentamento da crise; e desinformação quanto ao quadro de saúde da população durante a pandemia. Assim, ele nos deixa nauseados em sua espiral e tenta avançar em seus propósitos.

Crédito da foto da página inicial: José Cruz/Agência Brasil

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