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“A economia solidária deve migrar para o meio urbano e alavancar uma outra economia”

Por Joel Santos Guimarães


MAURICIO FOTO ENTREVISTA

Prefeito Maurício Moromizato


Vice-presidente de economia solidária da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o prefeito de Ubatuba (SP), Maurício Moromizato (PT), afirma que, com as mudanças que estão acontecendo no mundo do trabalho, a economia solidária ganha um papel central nas cidades.

Por meio dela, acredita, é possível tirar grandes contingentes do trabalho informal e impulsionar atividades que encontram uma vocação local natural. No caso de Ubatuba, por exemplo, seriam as cadeias econômicas do surfe e do turismo.

Porém, para que a economia solidária tenha esse papel, alerta, ela “não pode se apequenar” e “ficar restrita apenas à agricultura familiar e aos catadores de lixo”. No seu entender, o movimento da economia solidária deve ir além do cooperativismo e associativismo e incluir pequenos empreendimentos individuais, além de pensar do ponto de vista da chamada economia criativa.

Moromizato também comenta sobre a crise política que está colocando em risco a existência da Secretaria Nacional da Economia Solidária (Senaes), ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, criada no primeiro governo Lula e desde essa época comandada pelo economista Paul Singer. A Senaes fez da política de economia solidária no país referência internacional.

Brasil Debate – O que levou a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) a criar uma vice-presidência de economia solidária?

Maurício Moromizato – É uma característica da FNP pautar temas políticos e sociais que tenham relevância para a população. E essa talvez seja a sua principal característica.

Brasil Debate – Pode explicar melhor?

Maurício Moromizato – O que a diferencia das outras associações é que a FNP não atua apenas em função do dia a dia das prefeituras; não pensa apenas na arrecadação, na relação com o governo, mas também traz para a discussão a importância das políticas públicas e de temas que afetam o dia a dia da população como saúde, educação, sustentabilidade e economia solidária, por exemplo.

Brasil Debate – Qual, em sua opinião, a importância da economia solidária?

Maurício Moromizato – O que eu percebo é que, com as mudanças do mundo do trabalho, a economia solidária tem um grande potencial de assumir uma centralidade nessa discussão e ser a alavancadora de uma outra economia.

Brasil Debate- De que maneira ela pode assumir esse papel?

Maurício Moromizato – Depois que o país viveu esse tempo de progresso, de desenvolvimento econômico nesses últimos 12 anos, com a redução do desemprego, com mais de 30 milhões de brasileiros saindo da linha da pobreza; do aumento da renda salarial do trabalhador, entendo que a economia solidária vai se apequenar, se ficar restrita apenas à agricultura familiar e aos catadores de lixo, que eram os dois vértices dela no início das discussões.

Agora a economia solidária precisa iniciar o que eu definiria como o seu segundo momento, que é exatamente a questão urbana, já que mais de 80% da população brasileira está concentrada nas cidades. E para isso é necessário que os empreendimentos solidários sejam ampliados e criados nas cidades.

Brasil Debate – E como fazer isso?

Maurício Moromizato – É preciso discutir a economia solidária do ponto de vista da economia criativa, do ponto de vista da formalização desses empreendedores, sobretudo levando em consideração da realidade econômica e social de cada município. Eu entendo, por exemplo, que a questão da economia solidária no meio urbano vai passar por questões como tecnologia da informação, por pequenos empreendimentos específicos locais.

Em Ubatuba, vejo isso muito claro na cadeia do surfe, que engloba desde a fabricação de roupas até professores, escolinhas, aulas e turismo. Ou seja, esse esporte tem uma cadeia econômica própria com pequenos empreendedores, muitos não formalizados. É preciso organizá-los ou em cooperativas ou mesmo incentivando pequenos empreendimentos individuais. Ao nome solidária acho que deveria ser acrescentado solidária e criativa. É preciso avançar na nomenclatura.

Brasil Debate – Mas a proposta básica da economia solidária é justamente o cooperativismo, no qual os empreendimentos sociais são administrados por todos, que também dividem igualmente o resultado desse trabalho. Quando o senhor fala em pequenos empreendimentos locais não está contrariando os princípios da economia solidária e fazendo o jogo do capital?

Maurício Moromizato – De maneira nenhuma. Veja bem: quando a gente fala que o brasileiro é empreendedor, reconhecemos que a livre iniciativa faz parte da nossa característica. Veja o caso de Ubatuba, que tem no turismo o carro chefe da sua economia. Dessa atividade fazem parte os ambulantes que vendem salgadinhos e outros produtos nas nossas praias, os pequenos restaurantes, os pescadores, o surfe e as atividades econômicas ligadas a ele.

Diante disso, eu pergunto: o que são os ambulantes, os músicos, os pescadores são senão atividades econômicas solidárias? É preciso, portanto, incentivar e na maioria das vezes tirar da informalidade e trazer para economia formal, seja através de cooperativas ou de pequenos empreendimentos individuais. Só para dar um exemplo, citaria os agricultores familiares que vendem alimentos para a merenda escolar de Ubatuba.

Brasil Debate – Que exemplo é esse?

Maurício Moromizato – Para acrescentar a agricultura familiar na nossa merenda, a prefeitura teve que formalizar individualmente esses agricultores familiares, para que eles pudessem receber da prefeitura pelas vendas para a merenda escolar da rede municipal de ensino.

O resultado disso foi que hoje nossos alunos recebem uma merenda mais saudável, os agricultores familiares, que as fornecem, melhoram suas rendas e, por consequência, a economia do próprio município.

Brasil Debate – Como isso foi possível?

Maurício Moromizato – Antes a prefeitura comprava da agricultura familiar algo em torno de R$ 30 mil por ano. No ano passado, essas aquisições somaram R$ 1 milhão. Isso equivale dizer que os 50 agricultores rurais que venderam para a merenda escolar acrescentaram à sua renda algo em torno de R$ 1.300 mensais.

E esse dinheiro, em sua maior parte, ficou no próprio município, no seu comércio. Aliás, esse episódio me lembra de certa forma o Bolsa Família.

Brasil Debate – O Bolsa Família?

Maurício Moromizato – Sim. Os críticos do Bolsa Família acham que é muito pouco o que os beneficiários do programa recebem – R$ 90 por criança e R$ 270 por família. Mas o programa, além de melhorar a vida dessas pessoas, muitas delas já participam de empreendimentos sociais da economia solidária, joga na economia do município mais dinheiro para o cidadão de Ubatuba do que o Governo Federal destina para a prefeitura de Ubatuba, onde 4 mil famílias do município recebem o Bolsa Família.

Brasil Debate – O senhor tem esses números?

Maurício Moromizato – A prefeitura recebeu no ano passado, pelo Fundo de Participação dos Municípios, R$ 25 milhões, e os munícipes de Ubatuba receberam 27 milhões do Bolsa Família. Ou seja, o comércio de Ubatuba recebeu mais dinheiro do governo federal do que a prefeitura.

Brasil Debate – Quando a economia solidária foi implantada em Ubatuba?

Maurício Moromizato – Já no início do meu mandato. Mandei e a câmara aprovou a lei municipal de economia solidária. Hoje já existem alguns empreendimentos sociais em pleno funcionamento, outros estão se organizando. E através dos fóruns de economia solidária, que são realizados nos bairros, estamos conscientizando a população de baixa renda da importância da economia solidária, como ferramenta de melhoria de renda e qualidade de vida.

Brasil Debate – Já existem empreendimentos sociais em atividade no município?

Maurício Moromizato – Sim. Poderia citar a cooperativa de costureiras, formada por 20 mulheres, e a Cooperativa Azul, ainda em uma incubadora, que reúne um grupo de 38 cooperados que se dedicam as atividades como o turismo de base comunitária e rural, artesanato e produção de farinha de mandioca, atividade remanescente dos escravos quilombolas da região.

Brasil Debate- Em médio prazo, e na medida em que o número de empreendimentos sociais aumentar, há planos para a criação de um banco comunitário e de uma moeda própria?

Maurício Moromizato – A criação, em 2013, da Cooperativa Azul, foi o que motivou a vinda de Paul Singer a Ubatuba e desde início a criação de um banco comunitário e sua própria moeda estava nos planos. Tanto é que o projeto se chamava Azul Marinho. Azul da cooperativa e Marinha seria o nome da moeda. Mas, infelizmente, a realidade superou o sonho.

Brasil Debate – Como assim?

Maurício Moromizato – Para eles é uma experiência muita nova. A cooperativa ainda não foi formalizada porque a comunidade ainda está discutindo. Ela tem dúvidas se todo mundo que mora lá é obrigado a se associar.

Brasil Debate – Que dúvidas?

Maurício Moromizato – Eles têm receio de que a cooperativa se sobreponha à associação que luta pelos direitos de posse da terra. Na minha visão, a cooperativa deve ser para aqueles que querem lá na comunidade organizar um empreendimento social e os que não quiserem podem continuar trabalhando fora de lá e não ser cooperativado, mas apenas membro da associação. Como a cooperativa ainda não foi formalizada, pois ainda estamos ainda na fase do convencimento, só vai se discutir a criação do banco e da sua  moeda social quando isso acontecer.

Brasil Debate – Qual é a importância da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego e do seu titular, Paul Singer?

Maurício Moromizato – Essencial e indispensável. Foi graças ao seu trabalho na criação da Senaes, a sua visão socialista e a preocupação com os trabalhadores e com os desempregados que a economia solidária brasileira se tornou um exemplo para o mundo.

Brasil Debate – No entanto, em seu site, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) afirmou que “o PDT, que hoje comanda o MTE, tem interesse em destituir o titular da Senaes, economista Paul Singer, e sua equipe.”

Maurício Moromizato  – Acho inadmissível qualquer tentativa de querer afastar o professor Singer da Senaes. No entanto, desde o início deste mês, circulam comentários a esse respeito nos corredores do Congresso Nacional e nas salas do próprio Ministério do Trabalho.

Brasil Debate – O senhor pode citar algum exemplo de como está ocorrendo essa conspiração pedetista?

Maurício Moromizato – Logo depois que fui aclamado vice-presidente de economia solidária da FNP estive reunido com um importante assessor do ministro Manoel Dias (ministro do Trabalho e Emprego), na sede do Ministério do Trabalho, em Brasília. Ele me disse que as bancadas do PDT na Câmara e no Senado querem a substituição de Manoel Dias por um nome escolhido pela bancada do partido e também a saída do professor Paul Singer da Senaes.

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