Além dos setores portuário e de óleo e gás, uma atividade com papel importante na arrecadação de cidades do estado do Rio de Janeiro, em especial no caso da capital e de Niterói, é a de serviços de saúde
Artigo produzido para a coletânea Opina Rio (número 5), coordenada por Bruno Leonardo Barth Sobral
No contexto da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou por um processo de descentralização em relação às finanças públicas, mantendo a arrecadação dos principais tributos sob responsabilidade do governo central, como PIS, COFINS, CSLL, IR, IPI, etc. Foram descentralizados os gastos via transferências federais aos governos subnacionais e com a possibilidade de criação de novos tributos por parte desses entes federativos. Quanto aos governos locais, as transferências advinham, principalmente, do Fundo de Participação dos Municípios - FPM (Ribeiro et al., 2019; Alves e Araújo, 2021).
As transferências governamentais foram iniciadas na Constituição de 1946, porém foi a reforma tributária de 1967 que instituiu o Fundo de Participação dos Estados - FPE e o Fundo de Participação dos Municípios - FPM, para combater as disparidades regionais. Os meios de financiamento desses fundos ocorrem através da arrecadação efetiva da União, dos valores de Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) (Costa, 2013; Severino, 2017; Rodrigues et al., 2021).
Contudo, notou-se que somente as arrecadações próprias dos municípios não são suficientes para manter as contas públicas locais equilibradas. Assim, os municípios têm uma grande dependência em relação aos repasses federal e estadual para se manterem (Carneiro e Souza, 2017).
A dependência excessiva dos municípios dos repasses federais pode se tornar um fator negativo, incentivando a ineficiência dos gastos públicos e, assim, minando o interesse nas ações de incentivo às arrecadações locais. Fica mais fácil se acomodar na posição de receber do que arrecadar (Severino, 2017).
Do ponto de vista regional, no Estado do Rio de Janeiro (ERJ), de acordo com Sobral (2019), nas últimas décadas, a economia fluminense não ganhou maior peso na economia brasileira. Apesar de continuar como a segunda maior economia estadual pela ótica do Valor Adicionado Bruto (VAB), destaca-se que não aproveitou a continuidade do processo de desconcentração econômica regional a partir do estado de São Paulo. Cabe lembrar que isso ocorreu mesmo com o notável destaque da produção de petróleo e gás.
Nota-se que, no acumulado de 2002/2014, o ERJ teve pior desempenho e, somente em dois anos se aproximou da média nacional: 2009 e 2014. Justamente os anos em que a trajetória do VAB total para o Brasil sofreu piora. No entanto, quando a economia brasileira vai bem, a economia fluminense não acompanha na mesma intensidade (Sobral, 2017).
Nesse contexto, surge a necessidade de investigar a capacidade arrecadatória dos municípios do ERJ e seu nível de dependência em relação aos repasses dos outros entes federativos e, ainda, como isso influencia na dinâmica do estado e impacta nos indicadores econômicos do ERJ.
O trabalho dos autores utilizou a técnica de análise de dados conhecida como análise de cluster e a amostra foi composta pelos municípios do estado do Rio de Janeiro. Os autores verificaram que dos dez maiores municípios, em relação ao tamanho da população, cinco tiveram a média de repasses maior do que a média de arrecadação própria, sendo eles: Duque de Caxias, Campos dos Goytacazes, Belford Roxo, São João de Meriti e Volta Redonda. O que significa que os municípios maiores também dependem dos repasses para seu funcionamento, porém, em uma proporção menor do que a dos municípios pequenos.
O trabalho dos autores trouxe também outros resultados importantes para o contexto regional do estado, demonstrando que as cidades que evidenciaram uma capacidade arrecadatória maior foram as que possuíam atividades portuárias e de apoio a bases offshore, como o caso do Rio de Janeiro, Macaé, Niterói e Itaguaí.
Outro resultado importante foi o de que os municípios menores têm um alto índice de dependência dos repasses dos entes federativos e contam com pouca atividade produtiva, ocasionando uma baixa capacidade de arrecadação própria.
Figura 1 - Teste de agrupamento dos municípios do ERJ

Enfatizando os municípios que se aglomeraram com maior capacidade de arrecadação própria e menor dependência dos repasses (cluster 3), destaca-se que a arrecadação própria é mais elevada onde há uma arrecadação relevante de ISS. Nesse sentido, os municípios do Rio de Janeiro e de Niterói se demonstraram alinhados, pois possuem algumas atividades que geram uma contribuição significativa de ISS, como no setor da saúde, por exemplo, além da arrecadação advinda do Porto do Rio de Janeiro e do Porto de Niterói.
Esse potencial de arrecadação de ISS desses setores também foi observado pela Secretaria Municipal de Fazenda de Niterói (SMF-Niterói), que demonstrou que o grupo de “atividades de atenção à saúde humana” foi o que mais contribuiu para a arrecadação de ISS do município nos anos de 2021 a 2023. Em seguida veio o setor “naval/óleo e gás”. Ainda, o Boletim demonstrou que, nos últimos 12 meses, Niterói foi o segundo município que mais arrecadou ISS, sendo superado apenas pelo Rio de Janeiro (SMF Niterói, 2023).
Já o município de Itaguaí tem um porto importante, o Porto de Itaguaí, cujo volume alto de operações causa impacto positivo na arrecadação de ISS. O município de Macaé, além do porto de apoio offshore para a Petrobras, o Porto de Imbetiba, conta com sedes de muitas empresas de manutenção de equipamentos para as plataformas (Prefeitura de Macaé, 2013; Petronotícias, 2022) e também com um aeroporto, o Aeroporto Joaquim de Azevedo Mancebo. Este gera arrecadação de ISS em suas operações para a Bacia de Campos e receberá investimento para a construção de uma nova pista, que visa à expansão das atividades para atender mais voos comerciais e dar continuidade ao apoio offshore (Petronotícias, 2023).
Destaca-se, assim, que as cidades que evidenciaram uma capacidade arrecadatória maior foram as que possuíam atividades portuárias e de apoio a bases offshore, como o caso do Rio de Janeiro, Macaé, Niterói e Itaguaí. No caso dos municípios do Rio de Janeiro e Niterói, nota-se também um papel importante na contribuição via serviços de saúde.
Título original: A dependência dos municípios do Estado do Rio de Janeiro em relação aos repasses federal e estadual (Agradecimento aos membros do LabCidades pelo apoio no artigo e a UNIG pela bolsa de IC).
Todas as referências utilizadas neste texto podem ser encontradas em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/cdf/article/view/81521/50437
Crédito da foto da página inicial: Geraldo Falcão/Agência Petrobras (plataforma na Bacia de Campos)
Sobre os autores:
Daniel Rodrigues Cordeiro é mestre em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professor do Departamento de Administração da Universidade Iguaçu (UNIG) e do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Membro do LabCidades (UFES).
Everlam Elias Montibeler é doutor em Economia Aplicada pela Universidade Complutense de Madrid (UCM). Professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e docente permanente do PPGER da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Coordenador do LabCidades (UFES).
Henrique Rabelo Sá Rego é mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Saquarema.
Hícaro Rassele Rodrigues é graduando em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES). Membro do LabCidades (UFES).
Júlia Bragatto Grobério é mestra em Letras, subárea Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista FAPES na área de produção científica do LabCidades (UFES).
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