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A crise política e econômica atual e suas conexões internas

O que me parece fundamental entender na “luta contra a corrupção” que está nas ruas hoje é que ela está dizendo o seguinte: “o governo está tirando de mim para dar para os outros”. A contestação à corrupção é, antes de mais nada, a contestação da continuidade da distribuição de renda em uma conjuntura de estagnação. Isto é o que a classe média está percebendo como “corrupção”.

Pois há uma diferença radical entre o enfrentamento do “mensalão” e o enfrentamento político atual, representado pelo “petrolão”. O mensalão foi uma briga do “andar de cima. Seus denunciantes queriam colocar o PT no seu “devido lugar”, fazendo um acordo com o Lula: vamos manter o padrão tradicional de (co)gestão da “coisa” (nada) pública. Neste padrão, os partidos dividem os ministérios e estatais como feudos de “porteira fechada”. Cada um se locupleta ao seu jeito. E todos (a começar pela mídia) fazem de conta que não sabem o que está rolando dentro das fronteiras de cada feudo.

Ao colocar Dilma, a inflexível, no lugar de Dirceu, Lula deu uma resposta clara ao projeto de rebelião e intimidação: não há consenso possível. O Estado deixa de ser o agente da concentração de renda para ser o agente da distribuição.

A despeito de manter o Plano Real – leia-se: a autonomia do Banco Central para definir o juro (e, assim, os ganhos da banca) e o câmbio (e, assim, a exposição competitiva da indústria) – a redistribuição de renda impôs-se de forma acelerada.

E isto porque a dobradinha Lula-Dilma significou a radicalização do enfrentamento da verdadeira e secular corrupção brasileira: a instrumentalização do Estado em agente patrocinador da renda e do patrimônio da elite. A privataria tucana foi a última (e grandiosa) manifestação da forma secular (e, para a mídia, absolutamente “respeitável”) de corrupção que Faoro e Florestan analisaram com maestria em seus trabalhos sobre o patrimonialismo brasileiro.

A inversão de sinais imposta por Lula-Dilma nas funções do Estado não foi perdoada. A mídia chafurdou e fustigou os dois diuturnamente com o vazamento de (falsos e verdadeiros) escândalos que sempre foram acobertados em gestões menos comprometidas com mudanças no status quo. Mas as críticas não conseguiam abalar a popularidade da dupla. Enquanto o país vinha crescendo.

A partir de 2011, a economia entrou em “compasso de espera”. E estagnou em 2014.

Ora, quando se faz redistribuição de renda com crescimento da mesma todos podem ganhar em termos absolutos. Mas quando a renda está estagnada, não pode haver redistribuição sem que alguém perca.

Como as políticas redistributivas não foram alteradas com o decréscimo da taxa de crescimento da economia, ela está se realizando, crescentemente, às custas da classe média e média alta. E ela vira moralista e reacionária. … Por que a surpresa? Não há porque se surpreender. … Com um empurrãozinho da mídia, e um que outro deslize da turma que acha que “se eles já pegaram tanto, agora é a nossa vez de pegar um pouquinho” e está feita a festa.

A única forma de enfrentar esta crise política é pelo crescimento econômico. É preciso, urgentemente, voltar a crescer. Mas não é possível crescer sem desvalorizar o real. Não podemos mais segurar a inflação no câmbio. O país está morrendo aos poucos e será totalmente desindustrializado – com a ajuda dos amigos chineses – se não fizermos algo. E este algo passa por rever a política industrial em direção ao modelo asiático: desvalorizando e fortalecendo o mercado interno e a competitividade da indústria nacional.

O problema – evidente – é que não podemos tolerar o retorno da inflação! E não há dúvida que a desvalorização irá pressionar os preços internos, o que tem levado alguns economistas heterodoxos a pretender que seu retorno seria um mal menor e tolerável. Um grande equívoco.

A inflação é a maneira autoritária de resolver o problema distributivo. Quem a defende acredita que os trabalhadores poderão transformá-la em instrumento redistributivo a seu favor com apoio do Estado. Mas isto é uma ilusão. É impossível ganhar numa luta assentada na velocidade de definição de preços e no acesso à indexação financeira.

Quem ganha com a inflação são sempre os mesmos. Sem exceção. A esquerda está sendo tentada a fazer o elogio da inflação. E isto é entregar o “ouro para os bandidos” no campo da Economia.

Mas o que é a inflação brasileira? Por que ela existe e insiste a despeito de anos de ortodoxia monetária, câmbio sobrevalorizado e administração fiscal essencialmente conservadora? A minha principal hipótese no que diz respeito à inflação brasileira é que ela é uma inflação “inercial-aceleracionada”.

Com o perdão do economês momentâneo, isto quer dizer que eu a caracterizo como um processo baseado na capacidade de repasse para o consumidor das pressões de custo e represamento do repasse dos ganhos de produtividade do setor capitalista. A inflação resulta da ampliação do grau de monopólio.

O grau de monopólio é a síntese entre o poder econômico, o poder financeiro e o poder político. É o poder de determinar (e ampliar) o preço. Só os monopolistas impõem preço. E em qualquer disputa inflacionária ganha quem tem maior facilidade de impor (e refazer, re-impor) preço. Ao longo do tempo, só os setores proprietários têm a ganhar com a inflação. No plano sindical, os trabalhadores lutam por todo e qualquer ganho nominal. Quando a inflação aparece, exigem o gatilho. Com razão.

Mais do que conquistar vantagens nominais, os trabalhadores têm que conquistar vantagens reais através do repasse dos ganhos de produtividade aos preços. Ou as lideranças políticas, teóricas e, em especial, os economistas comprometidos com a esquerda neste País entendem isto, ou o segundo governo Dilma (que já está capenga) estará fadado a fracasso.

A questão que se coloca é: por que os governos petistas não foram capazes de deprimir o grau de monopólio médio da Economia? Este, na realidade, parece estar sendo ampliado em setores importantes da indústria com respaldo governamental!

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