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A crise no Rio não deve ser tratada como crise do Rio

O governo do Estado do Rio de Janeiro experimenta uma tentativa de alinhamento com os interesses do governo federal. A proposta nasce mais das disparidades de forças desses entes e da fraqueza comum frente à desarticulação federativa. Uma alternativa mais razoável exige questionar três aspectos centrais:

1) atribuiu-se a crise a um problema exclusivo estadual, quando a escala do problema é nacional, 2) o governo federal assumiu o papel simplesmente de credor sem a redistribuição de competências e recursos no âmbito do pacto federativo (incluindo recompartilhamento de custos como segurança), e 3) não articulação do problema das finanças públicas aos efeitos imprevisíveis de uma grave crise econômica.

Resumindo como um problema de gestão estadual, a narrativa até o momento dominante não trata do principal estopim: as responsabilidades federais sobre a crise no Rio. Cabe desmistificar a falsa impressão de que o proposto garante a recuperação da economia estadual. Sem alterar a estrutura de endividamento, revela-se uma chantagem institucional, porque, caso contrário, a justiça autorizará mais arrestos e bloqueios sem questionar os graves efeitos socioeconômicos.

Dessa forma, não se oferece solução para atacar o problema pela raiz: os impactos nas finanças de uma “estrutura produtiva oca”, termo que criei e discuto em diversos trabalhos anteriores. Entre 2006 e 2016, a receita corrente líquida do governo fluminense teve queda real de 3,3%, enquanto que para o total dos governos estaduais das economias com os maiores PIBs (SP, RJ, MG e RS) teve aumento real de 21,2%.

Isso se explica não por corrupção ou incentivo fiscal, mas sim porque não houve bonança econômica estadual desde a segunda metade dos anos 2000 a ser questionado se foi desperdiçada pelo ente público, algo que também aponta outros especialistas como Mauro Osorio, professor da UFRJ. Afinal, em uma comparação entre estados do Rio de Janeiro e São Paulo, o PIB é quase três vezes menor e a receita tributária líquida é quase cinco vezes menor. Essa desproporção significa uma receita tributária líquida 56,6% menor, ou seja, perdas anuais em torno de R$ 22,3 bilhões.


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O cerne da crítica deveria ser a negligência sobre indícios da desindustrialização nacional que atingem mais que proporcionalmente o Rio e que levaram a uma trajetória problemática de arrecadação, antes ocultada pelas rendas do petróleo e gás que despencaram recentemente. Atualmente, o governo tem uma arrecadação incompatível com suas despesas não porque gasta muito ou renuncia muito a tributos, e, sim, por essa “estrutura produtiva oca”, vulnerável a graves crises nacionais. Especializada em só alguns nichos setoriais com pouco adensamento produtivo, é grave a tendência de perda de valor agregado e que foi acelerada recentemente.

Todo o debate que foca exclusivamente nas finanças acaba enfatizando a folha de pagamentos sem contextualizar como o efeito de um problema maior e com outras especificidades. Por exemplo, é importante desmistificar a falsa impressão que o fundo previdenciário estadual tem um problema de trajetória, quando, na verdade, o que falta é a garantia de ativos suficientes desde sua origem. Nunca houve um plano de amortização para enfrentar isso e o governo fluminense ainda fez uma série de descapitalizações forçadas (R$ 14,2 bilhões) para atender suas necessidades conjunturais de caixa em anos mais recentes.

Do ponto de vista organizacional, estão em vigência dois modelos: um chamado “plano financeiro” e outro chamado “plano previdenciário”. Segundo o mais recente cálculo atuarial, não há déficit nesse último, só no primeiro, que tende a encolher quase totalmente no tempo (pois só entra nele novos militares).

O discurso oficial oculta que o cerne da questão não é mais estrutural, dado que já está encaminhado, e sim os efeitos de curto e médio prazo que se revertem em um custo de transição. Por lei estadual (6.338/2012), são duas gestões distintas e as insuficiências já esperadas do “plano financeiro” devem ser aportadas pelo ente governamental. Portanto, como uma questão específica, a previdência estadual não é a razão da crise muito menos a via de sua solução.


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O que está totalmente desajustado nas contas públicas fluminenses são as receitas. Isso se deve por questões tributárias e federativas não enfatizadas na proposta atual. Desconsidera-se uma revisão do Fundo de Participação Estadual e uma série de ressarcimentos que, anualmente, poderia gerar um fluxo em torno de R$ 15,5 bilhões a mais.

Por exemplo, o Rio de Janeiro é o segundo estado mais prejudicado pela Lei Kandir (R$ 49,2 bilhões acumulados), sendo que, em 2015, já seriam R$ 4,5 bilhões de perdas ao ano. Soma-se o atraso da ANP em atualizar cálculos de royalties e participações especiais por pressão das petroleiras, levando a cerca de R$ 1 bilhão de perdas (além de valores retroativos). Por fim, o ICMS para extração e refino do petróleo ser ainda cobrado no destino provoca uma perda anual em torno de R$ 10 bilhões (segundo estimativa da SEDEIS-RJ).

É preciso nacionalizar a crise no Rio a fim de não confiar cegamente em uma proposta que a trata como crise do Rio.  Nesse sentido, diversas iniciativas coletivas vêm buscando alternativas. Entre elas, destacam-se a plataforma do UERJ Resiste e o documento do GestRio intitulado: “Estado do Rio de Janeiro: outras soluções são possíveis!”. Alertar-se ainda para a versão integral do texto resumido nesse artigo.

Crédito da foto da página inicial: Tânia Rêgo/Agência Brasil

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