Respeitado e polêmico, José Trajano, comentarista do canal ESPN e torcedor do América, o “Ameriquinha”, é um dos grandes jornalistas de esportes da imprensa brasileira. Sua trajetória profissional faz dele uma das pessoas mais indicadas para um balanço da Copa do Mundo no Brasil. A seguir, os trechos mais importantes da entrevista concedida a Joel dos Santos Guimarães.
Qual é a sua avaliação sobre a realização da Copa no Brasil?
Trajano – O sucesso da Copa surpreendeu todo mundo: os que eram contra e os que eram a favor também, porque deu muito mais certo do que se imaginava. Havia, por exemplo, uma corrente muito forte da mídia, de setores de alguns partidos, de disseminar aquela ideia de “imagina na Copa”, “não vai ter Copa”, essa coisa toda. O “imagina na Copa” virou um bordão, que foi usado por muita gente antes do evento, para qualquer coisa que não funcionasse bem. O outro, “Não vai ter Copa”, já era um movimento de grupos ligados aos black blocs e alguns partidos de esquerda radical. Eu sempre defendi a realização da Copa no Brasil, mas confesso que tinha algumas restrições, como ainda tenho.
A Copa teve problemas?
Trajano – Teve, mas problemas de responsabilidade da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado), na maior parte deles. Por exemplo: teve a invasão dos torcedores chilenos da sala de imprensa do Maracanã, que em sua maioria foram presos e deportados. Os estádios ficam sob a responsabilidade da FIFA. Tanto que os estádios têm que ser entregues à FIFA dias antes do início da competição. Não pode ter mais nenhum jogo no estádio da Copa do Mundo porque a FIFA passa a tomar conta dos estádios e bota o pessoal dela para tomar conta. Então, a segurança do Maracanã era de responsabilidade da FIFA, cabia a ela requisitar mais segurança.
Uma das críticas feitas foi à falta de comida nos restaurantes e bares nas arenas onde se realizaram os jogos da Copa. Isso denuncia falhas na organização do evento?
Trajano – Houve mesmo falta de alimentos nos bares e restaurantes da maioria dos estádios. Acabava rapidamente, não havia reposição, filas imensas para comprar um sanduíche que não tinha. Isso é responsabilidade de quem escolheu os concessionários, no caso a FIFA. Alguns gramados, aí a responsabilidade também é da construção um pouco apressada dos estádios, deixaram a desejar. Mas, no cômputo geral, os gramados suportaram.
Os aeroportos funcionaram, não houve tumulto, os turistas adoraram o Brasil e a Copa, conforme comprova uma pesquisa realizada recentemente (segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 15/7, 92% dos visitantes elogiaram o conforto e a segurança dos estádios, 76% acharam ótima ou boa a qualidade do transporte até as arenas e 95% avaliaram a recepção/hospitalidade como ótima ou boa). Até mesmo problemas detectados no início da Copa, como os de setor de informática, da cobertura da internet, foram resolvidos e no final deu tudo certo. A pesquisa mostrou também que muitos turistas tinham medo de vir para o Brasil (90% acompanharam notícias no jornal e 50% disseram ter ouvido mais relatos negativos do que positivos). E, no fim, muita gente se enroscou com que o País tem de bom e melhor, como o samba, e a hospitalidade. O brasileiro se virou do jeito que podia e, mesmo não falando outros idiomas, tentou receber da melhor maneira possível os turistas. As delegações também gostaram. Claro que sempre há críticas pontuais, mas, principalmente, em relação à própria Copa, como jogos demais, distância entre as cidades etc. Críticas em relação à programação da Copa não têm nada a ver com aquela história de que vai dar tudo errado.
Você criticou a construção de estádios. Por quê?
Trajano – Ainda questiono o número de estádios que a gente construiu, acho que até já na próxima Copa vão fazer menos. Nunca foi feito tanto estádio como foi feito aqui. Não precisava ter gasto tanto na construção do estádio em Brasília, que é o mais caro do mundo. Foi a preocupação de colocar todo mundo dentro na Copa, do Norte ao Sul, Copa no Brasil todo. E a gente sabe que em alguns estados haverá imensas dificuldades em fazê-los funcionar, caso específico de Manaus e Cuiabá. Já houve jogos da série B (Brasília), com público de 4 mil, de 3 mil pessoas. Isso porque é campeonato brasileiro. Quando for campeonato local, o público vai ser ainda menor.
Quais são os problemas deixados por essa Copa?
Trajano – Esse pessoal vai ter que mostrar que esses estádios não irão virar elefante branco. Tem que encontrar formas de transformar essas arenas, que eu chamo de estádios, em espaços que possam ser utilizados para outros esportes, shows, eventos culturais, para transformar aquilo num polo que não fique esvaziado. Se depender só do futebol, vai virar elefante branco. Esse é um problema que a Copa deixou.
Quais sãos as virtudes?
Trajano – Nós surpreendemos o mundo mostrando que sabemos receber as pessoas e que temos poder de organização.
E o grande legado?
Trajano – Foram dois. O primeiro foi botar na cadeia essa máfia dos ingressos, que é uma coisa que todo mundo dizia que ia fazer, havia uma denúncia imensa das atividades dessa máfia. Aquele escritor e jornalista escocês Andrew Jennings (autor, entre outros, de “Jogo Sujo: o Mundo Secreto da FIFA” e de “Um Jogo Cada Vez Mais Sujo”) escreveu sobre a corrupção e as maracutaias da FIFA. A Scotland Yard dizia que ia prender e nunca prendeu ninguém, e aqui os caras foram para a cadeia. Então, esse foi um grande legado, que cutuca não a FIFA diretamente. O segundo é a oportunidade de corrigir os erros estruturais do futebol e a partir daí fazer uma revolução neste setor, em todo o esporte.
Oportunidade de corrigir erros por causa do fracasso da Seleção Brasileira e da derrota acachapante?
Trajano – O sucesso do Brasil foi quanto à organização da Copa, mas a Seleção não foi bem. É preciso fazer alguma coisa, e o futuro começa agora. Se começarmos a trabalhar amanhã, vamos colher os frutos daqui a dez anos. Uma revolução começa com a mudança dos dirigentes da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), e mesmo dos presidentes dos clubes. Sem essa mudança, não é possível fazer um diagnóstico, um raio-X, que nos leve à mudança no futebol brasileiro e nos esportes em geral. Não se trata de fazer uma “Futebras”, nem de intervir na CBF que é uma entidade privada. Mas de fiscalizá-la. Porque a FIFA não permite que se fiscalize. E há inúmeras questões, como contratos milionários com os canais de TV que são feitos de forma pouco transparente. A presidenta Dilma agiu certo quando recebeu o pessoal do movimento Bom Senso Futebol Clube, que reúne jogadores de futebol brasileiro que reivindicam mudanças na organização do esporte no País. Mas que não é feito só de jogadores e sim, também, de estudiosos e pensadores do futebol.
É preciso rodar o País, conversar com os clubes, com os torcedores, ir aos campinhos, às escolinhas de futebol, com forma de revolucionar o esporte. O próprio torcedor, a própria população, pode ajudar na pressão por essas mudanças, por exemplo, levando faixas aos estádios, pedindo mudança já. Se todo mundo se manifesta, vai pra rua, por que o torcedor não pode ir? Outro caminho é apontado pela ex-jogadora de vôlei Ana Moser, presidente da ONG Atletas pelo Brasil, que propôs mudanças na chamada Lei Pelé, que democratizam órgãos como o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), limitando reeleições e ampliando a participação dos atletas nas decisões. Temos que tentar incluir a CBF nesse processo.
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