Em minha dissertação de mestrado, analisei a evolução da desigualdade social no país entre os anos de 1950 e 2010, com base na estrutura e mobilidade social. Esta questão se mostra além de variações conjunturais na situação econômica e política nacional e internacional. Está ligada mais precisamente ao modo como se estruturou a economia e a sociedade brasileira.
Utilizando a periodização que adotei na pesquisa, procurei expor neste texto os pontos principais desta análise.
O período desenvolvimentista
Em um período de 30 anos, entre 1950 e 1980, o Brasil passou de um país predominantemente agrário para urbano. Nesse período, foi consolidada também uma estrutura industrial moderna, a partir do desenvolvimento de um setor pesado produtor de bens de produção.
A maneira como se estruturaram essas expressivas mudanças permitiu a associação de uma economia moderna e também desigual.
No ambiente rural, a ausência de uma reforma agrária que lidasse com o monopólio da terra e a intensa precariedade da população do campo acabaram por expulsar grande parte desta população para as cidades que se desenvolviam, dada a expansão e a modernização da produção agrícola.
Por outro lado, a rápida urbanização, o baixo nível de organização sindical, a ditadura militar e o descaso com as políticas sociais conformaram a formação um mercado de trabalho urbano extremamente concorrencial e desfavorável para a população de maior fragilidade, como os camponeses de baixa escolaridade e informação.
Reflexo disso foi a insuficiência dos serviços públicos, entre eles a educação, que poderiam preparar a população de menor renda para a concorrência para melhores ocupações – fato que se reproduz ao longo do tempo no Brasil.
Desse modo, por mais que a dinamização econômica permitisse uma ascensão social para grande parte da população, o leque social se expandiu nesse período, em uma sociedade que, ao mesmo tempo em que incluía por meio da ocupação, diferenciava os indivíduos, e, portanto, excluía os demais.
Décadas de 1980 e 1990
Nas décadas de 80 e 90 há um movimento de crise social, uma vez que se perde o principal motor da mobilidade social brasileira – a dinamização ocupacional gerada pelo crescimento econômico.
Com o esgotamento do modelo desenvolvimentista e a crise financeira do Estado, já nos anos 1980, e a orientação política nos moldes do Consenso de Washington em 1990, há um aumento da fragilidade social no período. Nos anos 1990, o combate à hiperinflação se fazia urgente, uma vez o custo era insustentável para os mais pobres.
Porém, o conjunto de medidas que acompanharam o objetivo de controle dos preços, tais como as privatizações e a flexibilização e focalização das políticas sociais, acabou por aumentar a vulnerabilidade da economia nacional e da sociedade aos movimentos do mercado. Exemplo deste movimento foi o aumento expressivo do desemprego no período.
Os governos Lula e Dilma
Já entre 2004 e 2012, há uma trajetória importante de melhorias sociais, dado duas décadas de crise. Tais avanços foram possíveis graças à recuperação do crescimento econômico, impulsionado por um mercado externo favorável e sustentado principalmente pela expansão interna do consumo de massas.
As melhorias se traduziram principalmente pelas condições mais favoráveis do mercado de trabalho, provenientes da combinação da recuperação do crescimento econômico com uma política de aumento do salário mínimo. Prestaram importante papel também os programas sociais de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família, e a expansão do crédito.
Com isso, nesse período observou-se uma redução expressiva dos miseráveis e uma ascensão social para a população de menor renda – conformando uma expansão significativa da baixa classe média. Entende-se aqui que, apesar de importante, tais melhorias sociais foram limitadas e insustentáveis.
A limitação está no fato de que este extenso grupo populacional que ascendeu à baixa classe média, a despeito do aumento significativo de seu acesso ao consumo de bens duráveis, ainda apresentava carências de serviços básicos para uma melhor qualidade de vida, tais como saúde, segurança pública, condições de saneamento e educação.
Entre 2012 e 2013 há uma inversão na trajetória da mobilidade social, que demonstra, por sua vez, a insustentabilidade de tais melhorias. Uma das razões fundamentais para este fato está na dependência do consumo e do comércio externo para a manutenção do crescimento econômico.
Com a crise de 2008 e o esgotamento do crescimento calcado no consumo, em 2011 o Brasil passa a apresentar uma queda no crescimento, e que se mantém em níveis medíocres até hoje.
Com isso, a partir de 2013 se observa uma deterioração social em termos de emprego e renda, que, ao que tudo indica, tende a piorar em 2015 com os programas de ajustes fiscais, conflitos políticos e queda no investimento. Assim, há a possibilidade de queda no padrão de vida daqueles que ascenderam entre 2004 e 2012.
A que podemos atribuir tamanha vulnerabilidade da mobilidade social brasileira?
Essa é uma questão complexa e de diversas linhas de pensamento. Entende-se aqui que, primeiramente, é preciso compreender que o desenvolvimento nacional não se traduz simplesmente por crescimento econômico, sendo fundamental, dentre outros fatores, um papel central do Estado na distribuição dos recursos e promoção da inclusão social, além da participação política ativa dos diversos grupos que compõem a sociedade.
Além disso, é preciso incluir no debate o modo como se busca um crescimento econômico sustentado no Brasil. Os fatos ocorridos nos últimos anos reforçam a necessidade de retomar as discussões e medidas em busca de uma recuperação e desenvolvimento da estrutura industrial e de suas cadeias produtivas, do desenvolvimento de mecanismos internos de inovação e financiamento, da avaliação de maneiras de se inserir na economia mundial de forma menos vulnerável, além da importância da orientação da política econômica neste processo, de modo a buscar uma visão de conjunto na sociedade brasileira sobre a construção da nação que desejamos para o futuro.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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